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Retornados

Soraia Vilela7 de outubro de 2007

Arquiteto nigeriano David Aradeon descreve em entrevista à DW-WORLD as influências dos ex-escravos retornados do Brasil para a Nigéria e o Benin e fala do candomblé como espaço de resistência nas duas culturas.

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Semelhanças na arquitetura: espaços afro-brasileiros na Nigéria e no BeninFoto: David Aradeon

David Aradeon, professor emérito da Universidade de Lagos, analisou o patrimônio arquitetônico afro-brasileiro na costa oeste da África: edificações erigidas por ex-escravos ou seus descendentes, que regressaram ao continente africano após a libertação da escravatura no Brasil. Parte do resultado de suas pesquisas compõe a obra Antecedentes dos Espaços Afro-Brasileiros, que foi exposta na documenta 12, em Kassel.

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Do Brasil para a África: formas transportadasFoto: David Aradeon

Na instalação composta principalmente por fotografias, Aradeon traça paralelos entre o universo mítico-religioso dos povos Nagô-Iorubá e Fon, originários da Nigéria e do Benin, e a cultura baiana. Esses povos, afirma Aradeon, "exerceram uma influência inextinguível na cultura brasileira, que vai da língua à moda, do candomblé ao carnaval, do samba como música à maneira de dançar".

Mais tarde, a interseção entre as duas culturas – brasileira e africana – se daria no sentido inverso, quando, após a abolição da escravatura, grupos de escravos libertos ou seus descendentes retornaram a seus países de origem na África. Eram brasileiros, levando de volta ao continente africano costumes e formas européias moldadas no Brasil.

Leia abaixo a íntegra da entrevista com David Aradeon sobre os espaços afro-brasileiros, os paralelos entre formas de comportamento nos dois lados do Atlântico e os conflitos gerados pela migração das formas:

DW-WORLD: Sua obra que foi exposta na documenta 12 trata das influências da cultura brasileira na arquitetura nigeriana. De quais paralelos você partiu para desenvolver esse trabalho?

David Aradeon: Na virada do século, a cultura afro-brasileira foi uma das muitas culturas que formaram a paisagem cultural de Lagos e especialmente da região de Porto Novo, no Benin (países Fon e Iorubá). Quando digo cultura, me refiro a sistemas de religião e crença, arquitetura, arte, culinária, música e dança. O afro-brasileiro é a criação dos contatos e conflitos entre as culturas européia e africana no século 20. As conseqüências e repercussões deste contato continuam a formar e reformar nossos ambientes globais.

A sobrevivência das culturas africanas no Novo Mundo é extraordinária. Essa sobrevivência é tão mais digna de nota, quando se lembra que todo aquele que é arrancado e forçosamente levado embora de seu ambiente, como os escravos eram, estava proibido de carregar consigo qualquer bem material, ao ser transportado de navio.

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Construções: saber dos escravos retornadosFoto: David Aradeon

Meu interesse específico pelo patrimônio arquitetônico afro-brasileiro na África Ocidental me levou a questões mais amplas, ou seja, aos africanos e aos espaços afro-brasileiros nas instituições escravagistas de colonização portuguesa no Brasil. As formas dos sobrados e a arquitetura das mesquitas, criadas pelos afro-brasileiros na África Ocidental, devem ter sido a junção de elementos estilísticos – percebidos/vistos/observados como

"fragmentos de tempo".

Os construtores e artesãos mestres, que retornaram para a África para criar e construir, não dispunham de esboços para guiar seus trabalhos. Até hoje, um grande número de edificações na região continua sendo construído sem se apoiar em desenhos, numa perpetuação do trabalho comunitário ético, que constrói as formas e os espaços das tradições formadas por suas culturas.

Os estilos arquitetônicos afro-brasileiros, especialmente os sobrados, estiveram em voga durante as décadas de 1940/1950 nos centros urbanos de Lagos, Badagry [Nigéria] e Porto Novo [Benin], de onde o estilo se disseminou para o leste/oeste e para o norte. Os construtores responsáveis por essa disseminação pertenciam a uma segunda geração, que havia aprendido com os mestres construtores afro-brasileiros.

No ensaio Formas do Espaço e da Casa, você menciona os conflitos causados na Nigéria pelos "transplantes europeus". A presença das formas brasileiras também desencadeou conflitos?

Claro. Dentro do contexto de seu retorno ao ambiente de suas memórias coletivas, os afro-brasileiros eram brasileiros. Falavam português, vestiam-se seguindo estilos europeus, eram católicos e viviam em bairros especiais, planejados para eles pelas autoridades coloniais britânicas. Na organização espacial de Lagos, eles eram parte de uma cultura localizada entre a cultura local e as instituições coloniais britânicas.

No momento em que a autoridades coloniais estavam exatamente solidificando seu controle sobre Lagos, os afro-brasileiros eram vistos como estrangeiros pela população local. Apesar das boas intenções e dos propósitos, a forma da habitação, o espaço e os estilos de vida transplantados do Brasil colonial criaram conflitos. Por exemplo, a organização interna e a forma de uma casa (tipologia do sobrado), que estabelece espaço para funções específicas: falar/descansar, dormir, jantar, cozinhar, etc.

A arquitetura aparece no seu trabalho como uma referência à herança cultural dos dois lados do Atlântico. Poderia citar outras obras de artistas ou trabalhos acadêmicos, que refletem sobre as influências latino-americanas na África?

Sim, na música popular, o ritmo afro-cubano exerceu uma grande influência na primeira geração de músicos populares do Congo, como Kabaselle e O.K. Jazz, para mencionar apenas as duas maiores figuras da cena de dance music congolesa na década de 1960.

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Procissão católica em Salvador: elementos da cultura africanaFoto: Nigerian Ministry of Information

Também o trabalho do historiador mexicano Jose Luis Melgarejo Vivanco sobre a presença dos africanos no México, anterior à aparição dos europeus, em El problema olmeca, publicado em 1973, deveria servir como uma das plataformas para a colaboração entre trabalhos de pesquisa acerca da migração das formas entre as duas culturas.

Quanto tempo você permaneceu no Brasil? Ao pesquisar, detectou peculiaridades entre uma região e outra do país, em relação à influência africana?

Para meu trabalho de campo, estive na Bahia por um período de aproximadamente cinco meses, em 1992. Passei a maior parte do tempo em Salvador e visitei regiões de plantio de cana-de-açúcar e cacau. Estive também rapidamente em Recife.

Devido ao curto espaço de tempo, não tive condições de observar as diferenças entre as regiões brasileiras. Anteriormente, em 1981, passei um semestre como professor visitante em São Paulo, num programa de intercâmbio entre a Universidade de Lagos e a USP.

Há uma consciência sobre a importância das influências africanas no Brasil?

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Modelos europeus: transplante nunca isento de conflitoFoto: David Aradeon

Quando estive na Bahia, vivi essa influência. A cultura do candombé é internalizada, o estilo de vida é manifesto. Tive o privilégio de visitar Carybé, o celebrado pintor da Bahia, e ver suas esculturas elegantes em madeira sobre os rituais do candomblé, no Museu de Antropologia do Pelourinho. Suas aquarelas sobre a iconografia do candomblé são líricas. Argentino de nascimento, ele era um membro do Ilê Axé Opô Afonjá, visitou os países iorubá e fon na África Ocidental com Pierre Verger, como parte de seu estudo de preparação para a iconografia do candomblé.

Fui também bem recebido por Mãe Stella no candomblé Axé Opô Afonjá, onde participei de eventos culturais e assisti a aulas em língua iorubá. Visitei também vários outros candomblés na região de Salvador e na Ilha de Itaparica. Minhas visitas a todos esses lugares e a participação nos eventos sociais e religiosos enriqueceram enormemente minha apreciação pelos sistemas de crença, que garantiram a sobrevivência das culturas fon e iorubá no Brasil. As pessoas eram escravizadas, mas seus orixás não.

Seu trabalho passa por uma reflexão acerca do "sagrado". Ele é e foi uma forma de resistência silenciosa, tanto na África quanto no Brasil?

Durante o período da escravatura e da emancipação, o candomblé não foi apenas uma religião, mas também um espaço – um povoado africano em miniatura – e piece de resistance. Ele dava esperança, socorria e possibilitava um ambiente familiar novo e uma estrutura aos afro-brasileiros, cujas estruturas familiares haviam sido deliberadamente fragmentadas pela instituição escravagista. Hoje, o candomblé cresceu, floresceu e continua a fornecer sustância espiritual aos brasileiros: negros, brancos e de todas as cores e matizes entre um e outro.