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EUA e UE se empenham por zona transatlântica de livre comércio

11 de fevereiro de 2013

Vantagens são sedutoras: consolidação dos maiores mercados do mundo, resposta à ameaça de hegemonia chinesa. Mas riscos e obstáculos a um tratado são também gigantescos, sobretudo na unificação de normas e padrões.

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Foto: Christian Spahrbier

As duas maiores potências econômicas do mundo, a União Europeia e os Estados Unidos, consideram se unir numa zona de livre comércio. Porém, os obstáculos são gigantescos, pois as metas de ambos são ambiciosas.

Economistas, políticos e empresários aclamam unanimemente a ideia: uma zona livre iria impulsionar o crescimento de ambos os lados do Oceano Atlântico. E asseguraria que, num futuro próximo, as regras do jogo na economia sejam ditadas pelo Ocidente, e não pela China.

Os dados econômicos confirmam: um tratado amplo de livre comércio seria, de fato, o que se denomina um game changer, ou seja, ele redistribuiria as cartas no pôquer do comércio mundial. Pois os negócios entre a UE e os EUA representam a maior parceria econômica bilateral do mundo, envolvendo um intercâmbio de bens em serviços num valor superior a 1,8 bilhão de euros. Juntas, as duas potências, somando 800 milhões de habitantes, controlam tanto a metade das prestações de serviços em todo o mundo quanto cerca de um terço do fluxo global de mercadorias.

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Acordo de livre comércio UE-EUA seria chance de fazer frente ao avanço comercial da ChinaFoto: picture alliance / Newscom

Boas perspectivas

Segundo estimativas da UE, um tratado amplo de livre comércio com os Estados Unidos aumentaria o Produto Interno Bruto europeu em 0,5%, ou 65,7 bilhões de euros por ano; e os ganhos para os norte-americanos seriam comparáveis. Além disso, devido às proporções dos mercados envolvidos, uma unificação transatlântica dos padrões industriais e dos procedimentos de licenciamento transformariam essas normas, de fato, em padrões mundiais, com especial vantagem para a forte indústria europeia.

A proposta de uma zona transatlântica de livre comércio conta com grande apoio dentro da UE. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, já se manifestaram a favor do projeto. E tanto o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, quanto o chefe de Estado norte-americano, Barack Obama, são, em princípio, favoráveis desde meados de 2012, quando um grupo de trabalho euro-americano divulgou um relatório parcial positivo sobre as oportunidades de um convênio.

O relatório final desse grupo transatlântico deverá ser conhecido nos próximos dias, e espera-se que contenha a recomendação para o início das negociações. No entanto, ainda assim, é totalmente incerto que essa zona de livre comércio venha a se tornar realidade.

Harmonização de normas: um problema

"Um tratado amplo de livre comércio iria mais longe do que todos os acordos comerciais que firmamos até agora. Será que chegaremos lá? Não será fácil, mas as perspectivas são boas", declarou em dezembro último o comissário da UE para o Comércio, Karel de Gucht.

De fato, em comparação, não passam de bagatelas tanto o recente tratado comercial entre a UE e Cingapura, quanto o acordo com o Canadá, prestes a ser concluído, ou tratados anteriores com a Coreia do Sul ou o México.

Daniel Gros, Direktor do Centre for European Policy Studies, sediado em Bruxelas, é inteiramente a favor de um convênio com os EUA. "Só não creio que a vontade política seja forte bastante para superar todas as resistências", pondera.

No caso de um acordo em grande escala, a diminuição das barreiras alfandegárias transatlânticas, já bastante reduzidas, nem seria o principal problema. Tampouco é intransponível a questão da agricultura – um setor econômico tradicionalmente sensível, de ambos os lados do Atlântico, por ser fortemente regulamentado pelo Estado.

"O grande problema é a independência dos diferentes órgãos reguladores", afirma Gros, mencionando, como exemplo, a Food and Drug Administration (FDA), responsável nos EUA pela regulamentação de medicamentos. "Este é um tema muito delicado. O órgão norte-americano será capaz de simplesmente aceitar uma certificação europeia e vice-versa?"

Engenharia genética e produtos financeiros

O mesmo vale para o licenciamento e regulamentação de numerosas mercadorias e serviços. Por exemplo: a UE exige a identificação de alimentos transgênicos, enquanto os EUA, não. Também teriam que ser considerados serviços complexos e até então sujeitos a regulamentos diversos, como seguros e produtos financeiros.

"Acho pouco realista esperar que um tratado de livre comércio possa harmonizar todas essas normas", comenta Charles Ries, vice-presidente da Rand Corporation, de Washington. Ele é a favor de uma versão menor: "Eu visaria um tratado de livre comércio que eliminasse todas as taxas alfandegárias e quotas entre os Estados Unidos e a Europa". Ries participou das negociações do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla original), entre o seu país, o México e o Canadá.

No entanto, os EUA e a UE pretendem jogar a grande cartada. "Na verdade, as tarifas alfandegárias não pesam tanto assim no comércio transatlântico", assegura John Clancy, porta-voz do comissário europeu do Comércio, Gucht. "Os grandes obstáculos são as diferentes normas de licenciamento e padrões. Por isso, não queremos apenas acabar com as taxas, mas sobretudo visar uma harmonização dessas normas."

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Alimentos transgênicos esbarram em forte resistência na União EuropeiaFoto: picture-alliance/dpa

Trauma de Doha

Observadores especializados estão céticos de que o plano possa ter sucesso. Eles lembram que há anos a visão do livre comércio transatlântico paira sobre os debates políticos em Washington e Bruxelas, sem nunca se tornar realidade.

Por muito tempo, os EUA também estiveram extremamente reticentes em apoiar esse megaprojeto. Após anos de negociações – por fim fracassadas – em torno de um tratado mundial de livre comércio, o assim chamado Acordo de Doha, o país não estava disposto a novamente se empenhar em conversações intermináveis e sem perspectivas.

Assim, para sondar o grau de seriedade dos europeus, a administração Obama exigiu um sinal bem claro do Bruxelas. E este veio: na segunda-feira (04/02), a UE anunciou que a partir de 25 de fevereiro estará permitida a importação de porcos vivos e de carne de vaca tratada com ácido lático, originários dos Estados Unidos.

Porém, mesmo que a UE e os EUA iniciem as negociações oficiais nos próximos meses, o sucesso está longe de ser garantido. Pois os negociadores de Washington e da Comissão Europeia não agem com autonomia absoluta. Sem o aval final do Congresso norte-americano e do Parlamento Europeu, não há acordo. E outros parceiros terão que participar das negociações, pelo menos em caráter informal: tanto a Turquia – estreitamente associada à UE através de um acordo alfandegário – quanto o México e o Canadá – ligados aos EUA através do Nafta.

Cronograma rigoroso

Deste modo, Estados Unidos e analistas reivindicam negociações ágeis, dentro de um cronograma bem definido. Segundo os analistas, um ano após o início das conversações, deverá se alcançar um consenso básico, e no prazo de dois a três anos, o tratado deverá estar fechado.

No entanto, os riscos políticos de uma zona transatlântica de livre comércio continuam sendo difíceis de calcular, na opinião de Daniel Gros. "Quando se inicia um grande projeto mas ele não é levado até o fim, talvez a situação para os participantes fique pior do que se nem o tivessem começado."

Autor: Michael Knigge (av)
Revisão: Marcio Damasceno