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Em Auschwitz, apelos para que Holocausto não seja esquecido

27 de janeiro de 2015

Cerimônia pelos 70 anos da libertação do campo de concentração é marcada por pouca política e por pedidos dos sobreviventes, em sua maioria já octogenários, para que gerações seguintes não esqueçam os horrores da guerra.

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Sobreviventes chegam para celebração dos 70 anosFoto: Reuters/M. Lepecki

Na localidade de Oswiecim, no sul da Polônia, cerca de 200 sobreviventes de Auschwitz e familiares reuniram-se com líderes mundiais e autoridades judaicas, na tarde desta terça-feira (27/01), para celebrar os 70 anos da libertação do campo de concentração pelas tropas soviéticas.

A cerimônia se realizou na grande tenda branca erguida sobre o edifício de tijolos na entrada de Auschwitz II-Birkenau, parte do complexo hoje transformado em museu. Em meio a campos cobertos de neve, os trilhos de trens – que traziam judeus, ciganos, homossexuais, oposicionistas políticos e outros condenados de todas as partes do continente – estavam iluminados em tons dourados.

À sombra da guerra na Ucrânia e do recrudescimento do antissemitismo na Europa, essa pode ter sido uma das últimas oportunidades ver reunido um número representativo de remanescentes do Holocausto: os mais jovens entre eles já são septuagenários. No 60º aniversário da libertação de Auschwitz, em 2005, compareceram 1.500 sobreviventes.

"Quantas eternidades se pode suportar?"

David Wisnia, ex-detento de Auschwitz de 88 anos, foi convidado para entoar uma prece memorial em hebraico. Quando criança, ele cantava no coro da Grande Sinagoga de Varsóvia, demolida pelos nazistas em 1943.

"É algo quase impossível de a mente humana compreender", contou sobre o Holocausto, "Rogo a Deus que sejamos capazes de aprender algo com isso, enquanto seres humanos."

Holocaust Gedenkfeier in Auschwitz 27.01.2015 Steven Spielberg
Steven Spielberg na cerimônia em OświęcimFoto: Reuters/K. Maj

Outro sobrevivente de origem polonesa, Roman Kent, apelou, entre lágrimas: "Não queremos que o nosso passado se torne o futuro de nossos filhos!"

No campo, narrou o nonagenário, as incessantes humilhações e atos de violência transformavam os minutos em dias, os dias em meses, os meses em eternidades: "E quantas eternidades um ser humano pode suportar em uma vida?"

Autodeterminação nacional, ontem e hoje

Participaram da homenagem dirigentes de Alemanha, França, República Tcheca, entre muitos outros. O presidente da Polônia, Bronislaw Komorowski, foi o único político a tomar a palavra.

Ele descreveu Auschwitz como o lugar onde a civilização humana foi destruída, onde os nazistas instalaram uma bárbara indústria da morte. Dessa memória cresce o dever de confrontar, hoje, todas as formas de violência e racismo, advertiu.

Durante a Segunda Guerra Mundial, foram assassinadas no campo de extermínio Auschwitz II-Birkenau mais de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus. Quase 40% dos prisioneiros registrados eram de nacionalidade polonesa.

Holocaust Gedenkfeier 27.01.2015 Protest in Moskau
Patriotas russos protestam contra ministro polonês: "Schetyna, pergunte aos avós sobre os eventos de 1945"Foto: picture-alliance/TASS/A. Novoderezhkin

Komorowski ressaltou o fato de terem sido soldados da União Soviética a libertar o campo de extermínio em 27 de janeiro de 1945, expressando sua gratidão e reconhecimento àqueles que tudo fizeram para salvar os últimos prisioneiros, quase mortos pela fome, doenças e maus tratos.

Porém, o chefe de Estado não se referiu exclusivamente ao passado: "Lembremos ao que leva a violação das leis internacionais sobre autodeterminação das nações." Para os presentes, uma inconfundível alusão ao conflito em curso na vizinha Ucrânia, com a participação da potência regional Rússia.

Paralelamente, uma declaração do ministro polonês do Exterior, Grzegorz Schetyna, abalou as bases da história aceita, servindo para provocar muitos patriotas russos e acirrar o conflito em torno do conflito: segundo Schetyna, em vez do Exército Vermelho, teriam sido tropas ucranianas a libertar Auschwitz-Birkenau em 1945.

Combate intensificado à discriminação na Europa

Para o presidente francês, François Hollande, a ocasião foi especialmente significativa, menos de três semanas após os ataques de terroristas islâmicos que mataram 17 pessoas em Paris, entre os quais quatro frequentadores judeus de um mercado kosher.

Antes, no Memorial do Shoá (Holocausto) em Paris, o chefe de Estado socialista se dirigiu à comunidade judaica do país, a maior da Europa, com 550 mil membros. "Vocês, franceses de fé judaica, o seu lugar é aqui, no nosso lar: a França é o seu país", assegurou.

Frankreich Gedenken an Befreiung KZ Auschwitz 27.01.2015
Presidente François Hollande (centro-direita) e representantes judaicos no Memorial do Shoá em ParisFoto: Reuters/M. Bureau

Segundo um estudo divulgado nesta terça-feira, os atos de violência antissemita na França aumentaram 130% em 2014, em relação ao ano anterior. Hollande anunciou para fevereiro a apresentação de um programa nacional de combate ao antissemitismo e ao racismo. Estão previstas tanto a manutenção de um nível elevado de segurança, quanto medidas severas contra a desinformação e a propaganda na internet.

Auschwitz na identidade alemã

A cerimônia no sul da Polônia contou com a presença de figuras como o cineasta americano Steven Spielberg (A lista de Schindler), com projeção internacional na preservação da história e da causa judaicas.

Ronald Lauder, presidente do World Jewish Congress, instou os políticos e homens de Estado presentes a combaterem com mais decisão a onda de discriminação e perseguição que volta a eclodir: "Setenta anos depois da libertação de Auschwitz, sopra uma nova tempestade de antissemitismo sobre a Europa."

Horas antes, o presidente da Alemanha, Joachim Gauck afirmou que "não há identidade alemã sem Auschwitz", durante uma sessão solene do Parlamento em Berlim, com a presença de diversos sobreviventes.

O político insistiu que os crimes do nazismo não sejam esquecidos: a lembrança do Holocausto faz parte da história nacional, e obriga todos os cidadãos a "protegerem e preservarem aquilo que é humano".

Auschwitz-Birkenau Gedenkfeier am 27.01.2015
Roman Kent, sobrevivente polonês, apela em nome do futuroFoto: Reuters/Laszlo Balogh

Putin, ausência marcante

Uma ausência que se fez notar em Oswiecim foi a do presidente russo, Vladimir Putin, cujo país foi representado por Serguei Ivanov, chefe de gabinete da presidência. O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, por sua vez, esteve presente.

Medidas controversas do Kremlin – como a anexação da península da Crimeia, em março último, e o apoio documentado aos separatistas pró-Moscou no leste e sudeste da Ucrânia, com pessoal e munição – têm contribuído para que o estado das relações Rússia-Ocidente seja o pior desde o fim da Guerra Fria. A Polônia conta entre os críticos mais ferrenhos da política russa para a Ucrânia.

Em resposta à indignação de certas personalidades russas, por Putin não ter sido convidado, o Memorial de Auschwitz-Birkenau, organizador do evento, argumentou que não houve solicitações específicas aos chefes de Estado ou de governo, estando livre para comparecer quem quisesse.

Fontes internas indicam, contudo, que o governo polonês realmente preferiu não encorajar a participação do chefe do Kremlin na cerimônia, por estar consciente das consequências políticas de sua presença.

"Seria difícil imaginar como se receberia o presidente da Rússia nesta situação", admitiu o ministro da Justiça da Polônia, Cezary Grabarcyk, à rádio polonesa ZET. Apesar de dados confirmados por entidades como a Otan e das sanções internacionais em vigor, Putin segue negando qualquer interferência na crise ucraniana.

AV/rtr/afp/kna/dpa