1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Em "Abaporu", Gui Boratto mistura techno, house e antropofagia

Marco Sanchez13 de outubro de 2014

Em novo disco, produtor de música eletrônica busca inspiração no modernismo brasileiro. Casamento entre batidas certeiras e belas e empolgantes orquestrações continua a ser marca registrada.

https://p.dw.com/p/1DPBF
Foto: Marion Benoit

O novo álbum de Gui Boratto, Abaporu, começa com a faixa Antropofagia – o hábito de comer carne humana – e termina com Taxidermia – termo grego para "dar forma à pele" ou a arte de dissecar animais mortos para conservá-los com aparência de vivos.

Pode soar sinistro, mas o ato antropofágico do produtor brasileiro em seu novo disco é mais inspirador que assustador. Ele convida o canibal a dançar numa pista onde o escuro é um caldeirão de possibilidade e surpresas, temperado com um diferente, variado e vibrante espectro de luzes coloridas.

"Eu, assim como qualquer arquiteto brasileiro, estudei muito o movimento modernista. Não só a pintura de Tarsila [do Amaral] ou Anita Malfatti, mas também a literatura de Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos ou ainda a música de Heitor Villalobos", diz Boratto em conversa com a Deutsche Welle Brasil.

Em seu primeiro álbum em três anos, um dos mais reconhecidos artistas da música eletrônica brasileira volta com um disco que é uma jornada colorida de ritmos, orquestrações e melodias entre o house e o techno.

"A influência do movimento [modernista] no Abaporu está no processo criativo de 'pegar' referências de outras culturas e criar algo novo. No meu caso, essas influências não são exclusivamente europeias, mas todas as coisas que vi e vivenciei nesses últimos anos. Nossa arte sempre está impregnada de sensações previamente vividas. Refletimos nela aquilo que sentimos", diz o produtor.

Pressebild Gui Boratto
Boratto mistura orquestrações e pop ao seu techno/houseFoto: c/o pop

Mastigando influências

Boratto passou alguns anos lançando apenas singles de 12 polegadas – formato associado principalmente aos artistas de techno. Com a popularização do mp3 e dos serviços de streaming, o álbum vem perdendo popularidade também em outros gêneros, como o pop e o rock.

"Quando o artista produz um álbum, tem a oportunidade de explorar novas sonoridades e sensações não alcançadas numa faixa techno de 8 minutos. Num álbum, você pode mostrar uma variedade musical muito maior. Eu sou músico. Tenho essa necessidade de fazer álbuns e mostrar outros lados que não consigo tocando em grandes festivais e clubes", explica Boratto.

Abaporu – nome dado em homenagem ao quadro homônimo de Tarsila do Amaral – foi gravado no estúdio que o produtor tem em sua casa em São Paulo. Ele comparou o processo com o de seu primeiro álbum, Chromophobia, lançado em 2007. "Em algumas músicas, comecei a composição pelo violão ou guitarra, em outras, pelo piano. Às vezes, a música conversa com você. À medida que o trabalho foi tomando forma, ela me deu as diretrizes a serem tomadas."

As 13 faixas de Abaporu estão entre as melhores já produzidas por Boratto. No álbum, ele mantém sua marca registrada, mas expande sua sonoridade, criando uma obra coesa e que mostra diferentes nuances de suas influências, com hipnóticas batidas e canções que nunca perdem a conexão com o ouvinte.

CD-Cover Abaporu von Gui Boratto
"Abaporu" é uma homenagem sonora ao quadro homônimo de Tarsila do Amaral e ao movimento antropofágico

"A antropofagia aqui presente é justamente a construção dessa colcha de retalhos. A deglutinação dessas referências está clara. Por quê? Não sei bem. Quando me dei conta, estava fazendo um processo similar ao da Tarsila e de tantos outros artistas desse movimento [modernista]. Resolvi fazer uma homenagem", conta.

Sem medo de ser pop

Nesses três anos, Boratto também tocou ao redor do mundo, produziu outros artistas, como Elekfantz, e começou seu próprio selo, chamado D.O.C, que lançou o primeiro single dos curitibanos do Shadow Movement.

Assim como os discos anteriores do produtor, Abaporu foi lançado pela gravadora alemã de música eletrônica Kompakt, que já lançou artistas como Gus Gus, The Field, Jürgen Paape e Justus Köhncke.

O casamento entre batidas certeiras e belas e empolgantes orquestrações funciona tão bem no trabalho de Boratto, porque ele nunca esquece o caráter pop de suas canções. Isso fica evidente em faixas como Please Don't Take me Home e Take Control, com empolgantes vocais.

"Minha conexão com as pessoas é a música, a harmonia e a melodia, muito mais que um resultado técnico avançado, industrial e muitas vezes chato. Tenho necessidade de compor, de fazer as pessoas felizes ou tristes. A música tem esse poder. Você muda seu estado de espírito sem motivo concreto, apenas pelo fato de escutar uma música", diz Boratto.

Brasilianischer Musiker Gui Boratto
Para seus próximos shows, produtor quer tocar sem computador e só com máquinasFoto: Kristian Dowling/Getty Images

Ele também vê a popularização da EDM (Eletronic Dance Music) de artistas como David Guetta e Calvin Harris como algo positivo para o pop e para a música eletrônica. "O pop é sempre bem vindo. Se a EDM está levando multidões aos estádios, festivais e clubes ao redor do mundo, então, existe um público que a consome."

Para quem cruzar com Boratto em algum clube ou festival ao redor do mundo, o produtor promete faixas do seu novo álbum, além de suas músicas mais conhecidas, como Beautiful Life e Take My Breath Away, E adianta que está preparando um set ao vivo diferente, deixando de lado o computador e usando apenas máquinas, como sintetizadores, samplers e bateria eletrônica.

"Abaporu é meu álbum mais completo. Não só nas questões técnicas, mas na forma musical ali explorada. Acho também que é meu álbum mais feliz", conclui o produtor.