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Em 1990, Alemanha lavou a alma com série de revanches

Philip Verminnen11 de julho de 2014

Depois de furto no hotel, cusparada do holandês Frank Rijkaard e vitória sobre a Inglaterra nos pênaltis, alemães vingaram final de 1986 contra a Argentina de Maradona e saíram da Itália com o tricampeonato mundial.

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Lothar Matthäus Pierre Littbarski 1990
Foto: STAFF/AFP/Getty Images

Pela terceira vez, Alemanha e Argentina decidem a Copa do Mundo. O confronto entre as duas potências do futebol mundial é assim o que mais se repete em uma final. E quando a Nationalelf e a Albiceleste entrarem em campo, neste domingo (13/07), no Maracanã, será um repetição das duas decisões anteriores: a genialidade de um craque contra a força da coletividade disciplinada.

Se a magia de um genial camisa 10 fez a diferença em 1986, a história não se repetiu na Copa da Itália, em 1990. A DW Brasil relembra nesta sexta-feira (11/07) o último título mundial da Alemanha, conquistado há 24 anos, justamente em cima da Argentina.

A Copa do Mundo de 1990 entrou para os livros como o Mundial com a menor média de gols de todos os tempo (2,21 por jogo) e pelo futebol pouco vistoso apresentado nos estádios italianos. As duas exceções foram a Alemanha e a Tchecoslováquia.

Depois de ser vice-campeão mundial por duas finais consecutivas (1982 e 1986) e, assim como o Brasil, ver uma de suas melhores gerações ficar sem títulos na década de 80, a seleção alemã lutava para encerrar o estigma de "amarelar" nas decisões. Para tal, os jogadores receberam o apoio de uma Alemanha unificada, passaram pela catimba e os cuspes dos holandeses e anularam o vilão da Copa anterior, Diego Maradona. Para a Alemanha, esta foi a Copa do alívio e das revanches.

Alemanha unida, bem humorada

Apesar da queda do Muro de Berlim e da consequente abertura da fronteira entre as duas Alemanhas ter acontecido em novembro de 1989, a seleção classificada foi à Itália com o nome de Alemanha Ocidental, mas sabendo que esta seria o último Mundial sob essa denominação.

A delegação com os 23 convocados pelo treinador Franz Beckenbauer (que também havia comandado a Nationalelf em 1986) era inteiramente formada por jogadores do oeste alemão – o primeiro jogador nascido na Alemanha Oriental e a jogar pela Alemanha unificada seria Matthias Sammer, em um amistoso contra a Suíça, ainda em 1990.

Conquistar a Copa do Mundo seria o melhor modo de celebrar a era que chegava. O time base sofreu algumas mudanças importantes em relação ao Mundial anterior, principalmente no setor ofensivo. O goleiro Bodo Ilgner teve à sua frente uma retaguarda de três zagueiros: Guido Buchwald, Jürgen Kohler e Klaus Augenthaler de líbero. Já os dois alas, Thomas Berthold e Andreas Brehme, apoiavam (mas não muito) o meio-campo formado por Thomas Hässler, Pierre Littbarski e o craque do time, Lothar Matthäus. Na frente, Rudi Völler e Jürgen Klinsmann completavam a equipe.

Fußball-WM-Finale Deutschland - Argentinien 1990
O camisa 10 alemão, Matthäus jogou mais que o camisa 10 argentino, Maradona, e devolveu a derrota de 1986Foto: picture-alliance/dpa

Mesmo com a pressão de finalmente levantar a taça de campeão mundial, o clima era de descontração na delegação alemã. Filmagens divulgadas recentemente por Sepp Maier, treinador de goleiros naquele Mundial e campeão da Copa de 1974, mostram uma grupo bem humorado, com liberdade para sair com os familiares pelas cidades italianas e prontos para pregar peças na concentração.

Em uma dessas ações, os jogadores esconderam um coelho dentro da mala do fisioterapeuta Adolf Katzenmeier, e Andreas Brehme simulou uma contusão duramente um treinamento. Quando Katzenmeier abriu a mala e tomou um susto com o coelho, a equipe toda caiu na gargalhada.

A harmonia se refletiu em campo. Na fase de grupos, a Alemanha foi a única seleção a entrar na casa dos dois dígitos no quesito gols marcados. Na estreia, goleou a Iugoslávia por 4 a 1, com dois golaços de Lothar Matthäus – para muitos especialistas a maior atuação do camisa 10 pela Nationalelf. No jogo seguinte, 5 a 1 nos Emirados Árabes Unidos, e um empate em 1 a 1 com a Colômbia de Valderrama bastou para a primeira colocação no Grupo D.

A cusparada de Rijkaard

Nas oitavas de final, a Alemanha enfrentou a arquirrival Holanda, em um dos confrontos mais quentes de todas as Copas. Com Ronald Koeman, Frank Rijkaard, Jan Wouters, Ruud Gullit e Marco van Basten, a Oranje tinha uma de suas melhores gerações e estava entre as favoritas ao título mundial. Dois anos antes, justamente na Alemanha, os holandeses se sagraram campeões continentais eliminando os anfitriões nas semifinais.

Der Niederländer Frank Rijkaard (r) bespuckt Rudi Völler
O holandês Frank Rijkaard, em total destempero, cuspiu no atacante Rudi Völler. Os dois foram expulsosFoto: picture-alliance/dpa

O jogo foi nervoso e logo aos 20 minutos o público no Estádio Giuseppe Meazza, em Milão, presenciou uma das maiores vergonhas das Copas. Após cometer uma falta dura em Rudi Völler, Frank Rijkaard recebeu o cartão amarelo e, quando passou por Völler, cuspiu no cabelo do atacante alemão.

O árbitro argentino Patricio Loustau não viu e decidiu amarelar Völler também, depois de um bate-boca com Rijkaard. Após a cobrança da falta, Völler disputou a bola com o goleiro Hans van Breukelen, e Rijkaard foi tomar as dores do companheiro. Nova discussão, empurra-empurra, e Loustau expulsou ambos. Rijkaard então se aproximou de Völler, novamente cuspiu no rosto dele e saiu correndo em direção aos vestiários.

A Holanda perdeu mais: Rijkaard era o coração do meio-campo e um dos melhores volantes do mundo na época. Melhor para a Alemanha, que com gols de Jürgen Klinsmann e Andreas Brehme venceu por 2 a 1 e vingou a eliminação da Eurocopa de 1988. O gol holandês foi anotado por Ronald Koeman, de pênalti, no último minuto da partida.

A vingança do gol de Wembley

Nas quartas de final, a Alemanha enfrentou a boa seleção da Tchecoslováquia, a única, ao lado da alemã, que mostrava um futebol convincente e ofensivo. A Alemanha definiu a partida aos 25 minutos do primeiro tempo, com um gol de pênalti do capitão Matthäus. A vitória magra fez com que o técnico Beckenbauer suspendesse a massa italiana na alimentação dos jogadores, gerando o que a imprensa na época chamou de a "crise do espaguete". Nas semifinais, o adversário foi a Inglaterra, que estava – e continua – engasgada devido à final polêmica da Copa de 1966, quando os ingleses venceram com um gol duvidoso na prorrogação.

Fußball WM 1990 Halbfinale Deutschland gegen England Schiedsrichter Wright
Sob o olhar do árbitro brasileiro José Roberto Wright, Karl-Heinz Riedle converteu a sua cobrança de pênaltiFoto: picture-alliance/dpa

O duelo foi bastante equilibrado. A Alemanha saiu na frente com Andreas Brehme, em cobrança de falta que foi desviada e encobriu o goleiro Peter Shilton. E faltando dez minutos, Gary Lineker empatou. Na prorrogação, o astro inglês Paul Gascoigne recebeu o cartão amarelo do árbitro brasileiro José Roberto Wright que o tiraria de uma suposta final e chorou copiosamente em campo. O 1 a 1 persistiu no tempo extra, e a vaga à final foi decidida no pênaltis, o martírio dos ingleses. A Alemanha, que nunca perdeu uma disputa da marca da cal na história das Copas, converteu todas as cobranças e foi à sua terceira final seguida – outro recorde que perdura até hoje.

O reencontro com Diego Maradona

Era o reencontro com a Argentina. E apesar de Maradona brilhar no campeonato local e ser muito querido pelo público italiano, a torcida estava do lado alemão. Por um lado, porque a Argentina eliminou a Itália nas semifinais, por outro, porque o técnico alemão Franz Beckenbauer encobriu um fato que aconteceu semanas antes no hotel da equipe.

Depois que diversas camisas, sapatos e meias dos jogadores alemães haviam sumido, Beckenbauer pediu para Franz Moser, gerente do hotel, investigar. "Em algum momento, percebemos que os vários policiais que faziam a nossa segurança eram loucos por futebol e pegaram algumas camisas. Beckenbauer abafou o caso e mandou que ninguém divulgasse que a polícia havia roubado a seleção alemã temendo vaias nas partidas", relembra Moser.

Assim como a Copa em si, a partida final não foi um primor de futebol. Poucas chances de gol, muitas trocas de passe e um ensaio de vaias no final do primeiro tempo. Quando a Alemanha arriscou sair um pouco mais para o jogo no segundo tempo, foi parada com faltas duras. O zagueiro Pedro Monzón e o centroavante Gustavo Dezotti acabaram expulsos.

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Andreas Brehme (camisa 3) acertou o canto, sem chances para o goleiro argentino Sergio GoycocheaFoto: picture-alliance/dpa

E para coroar a Copa de 1990, um pênalti bastante duvidoso decidiu o título mundial. Aos 39 minutos do segundo tempo, Rudi Völler invadiu a área, disputou a bola com Roberto Sensini e caiu. O árbitro mexicano Edgardo Codesal apitou, mas nem os narradores da televisão alemã concordaram com a marcação.

O goleiro argentino Sergio Goycochea, que já havia pego quatro pênaltis naquele Mundial, não conseguiu parar a cobrança de Andreas Brehme: 1 a 0 Alemanha. Ao não balançar as redes, a Argentina foi a primeira seleção a passar em branco em uma final de Copa. Diego Maradona não conseguiu o feito inédito de levantar por duas vezes como capitão a taça de campeão mundial. Por outro lado, Franz Beckenbauer igualou a marca do brasileiro Mário Jorge Lobo Zagallo – campeão mundial como jogador e treinador.

No próximo domingo (13/07), no Maracanã, a Alemanha terá novamente que parar um craque argentino que veste a camisa 10. E assim como em 1990, vai precisar da força do conjunto. Os paralelos com o time de Franz Beckenbauer são grandes: depois que voltou à lateral, Philipp Lahm carrega a mesma importância de Andreas Brehme. Thomas Müller está por todos os cantos do campo e é o novo Rudi Völler. Mats Hummels é o novo Klaus Augenthaler. E, assim como Lothar Matthäus em 1990, é Toni Kroos quem organiza o meio-campo da Alemanha.

WM 1990 Italien Beckenbauer Flash
Franz Beckenbauer (de terno) se tornou o primeiro a ganhar a Copa como capitão (em 1974) e como treinadorFoto: picture-alliance/dpa

Ficha técnica

Argentina 3 x 2 Alemanha

Local: Estádio Olímpico, Roma (08/07/1990)

Arbitragem: Edgardo Codesal Méndez (México) auxiliado por Armando Pérez Hoyos (Colômbia) e Michal Listkiewicz (Polônia).

Gols: Andreas Brehme (pen. 40'/2T)

Cartões amarelos: Gustavo Dezotti (5'/1T), Rudi Völler (7'/2T), Pedro Troglio (39'/2T), Diego Maradona (42'/2T)

Cartões vermelhos: Pedro Monzón (20'/2T) e Gustavo Dezotti (42'/2T)

Argentina: Sergio Goycochea; José Serrizuela, Juan Simón, Oscar Ruggeri (Pedro Monzón 1'/2T); Néstor Lorenzo, José Basualdo, Pedro Troglio, Jorge Burruchaga (Gabriel Calderón 8'/2T), Roberto Sensini; Diego Maradona; Gustavo Dezotti. Técnico: Carlos Bilardo.

Alemanha: Bodo Ilgner; Guido Buchwald, Klaus Augenthaler, Jürgen Kohler; Thomas Berthold (Stefan Reuter 28'/2T), Thomas Berthold, Thomas Hässler, Lothar Matthäus, Pierre Littbarski, Andreas Brehme; Rudi Völler e Jürgen Klinsmann. Técnico: Franz Beckenbauer.