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Eleitoralismo e bom senso nortearam recuo das leis das regalias em Moçambique

Nádia Issufo16 de junho de 2014

Os analistas moçambicanos elogiam o papel que a sociedade civil teve na decisão do Presidente Guebuza em fazer regressar ao Parlamento a polémica lei das regalias. Estão agora expectantes sobre a postura dos deputados.

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Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, a votar nas autárquicas de 2013Foto: picture-alliance/dpa

O Presidente moçambicano, Armando Guebuza, decidiu devolver ao Parlamento, no passado dia 10 de junho, as leis que preveem regalias para os deputados e ex-chefes de Estado. A devolução acontece depois de a sociedade civil local ter promovido uma manifestação que contestou a aprovação pelo Parlamento do projeto de lei, por considerá-lo injusto.

O analista e jurista Ericino de Salema entende que "é dificil dissociar uma decisão política desta magnitude, tomada nesta altura, quando faltam poucos meses para as eleições, de algum eleitoralismo".

Mas Salema também reconhece "que, fora isso, há que dar mérito à própria decisão, que significa a compatibilização das obrigações do Presidente da República, sobretudo enquanto chefe de Estado, com os anseios dos acionistas deste Estado, que são os cidadãos".
Apesar de saudar o chefe de Estado, Ericino de Salema considera que o grande vencedor no final foi a democracia. Opinião semelhante tem o analista político Calton Cadeado do Instituto de Relações Internacionais em Moçambique.

"Acho que era uma decisão já previsível, não restava outra saída ao chefe de Estado senão não promulgar a lei. Prefiro assumir uma postura pragmática, mas não quero ignorar também a questão do eleitoralismo e nem da voz popular e também não quero ignorar o mérito da figura do chefe de Estado. Aqui há um conjunto de coisas que que temos de saber valorizar", comenta Cadeado.

Mosambiks Parlament
Parlamento moçambicanoFoto: DW/L.Matias

Pressão da sociedade civil

Este recuo resulta de um descontentamento generalizado que desencadeou até uma manifestação, em meados de maio último, contra os projetos de lei do Estatuto de Segurança e Previdência Social do Deputado e dos deveres e obrigações do chefe do Estado após o exercício do mandato.

Os moçambicanos consideram os projetos de lei injustos, abusivos e anti-éticos, uma vez que a maioria da população vive a baixo da linha de pobreza, e os deputados, por sua vez, já usufruem de muitas regalias, para além de salários acima da média. "Não ao roubo legalizado" foi o lema da manifestação promovida pela sociedade civil.
Eleitoralismo à parte, essa vitória é mérito da 20 organizações não-governamentais que se mobilizaram contra as propostas de lei? "O próprio Presidente da República encarregou-se de confirmar que é isso mesmo", responde o analista Ericinio de Salema.

"Chegaram-lhe [a Armando Guebuza] opiniões da sociedade civil, de vários círculos. E tendo em conta a honestidade, foi o termo que ele usou, a razoabilidade e a naturalidade de muitas opiniões, ele próprio decidiu, a ter dúvidas, foi o termo que ele usou, enviar as duas leis para a sede da Assembleia da República", continua o analista.

Resposta de Guebuza à sociedade nem sempre é visível

Entretanto, esta não foi a primeira contestação da sociedade civil à atuação do Governo face aos problemas do país, mas as anteriores não tiveram respostas ou justificações como este caso. Mas o analista Calton Cadeado considera que elas tiveram respostas, sim, mas noutras dimensões. "Há ações com muita visibilidade em que existe resposta e há a possibilidade de vê-las, mas há outras coisas em que não temos a possibilidade de as ver", refere o analista.

Calton Cadeado cita o exemplo concreto do caso dos raptos: "a sociedade civil manifestou-se e o chefe de Estado tomou a postura de resposta, só que nós vimos essa resposta na figura do Ministério do Interior e do ministro. O chefe de Estado não deu a cara a este caso e nós assumimos que ele não foi ajudar. Mas neste caso, o Presidente não podia delegar a decisão a uma outra instituição, por isso vemos esta visibilidade".

Como irá atuar agora o Parlamento?

As propostas de lei carecem da promulgação do Presidente da República. Mas Ericino de Salema considera que o recuo da lei para o Parlamento poderá colocar o chefe de Estado num beco sem saída: "se os dois terços de deputados que a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique, o partido no poder] tem no Parlamento mantiverem as coisas como estão na lei até agora, neste vai e vem entre o Parlamento e o Presidente, o Presidente da República nada mais poderá fazer senão assinar", prevê o analista.

Se a lei for aprovada mais uma vez no Parlamento e depois promulgada pelo Presidente Armando Guebuza, um chefe de Estado, após concluído o seu mandato, terá direito a um subsídio de reintegração equivalente a dez anos de vencimento base atualizado - para além de viajens anuais pagas pelo erário público para qualquer parte do mundo, para si e familiares, entre outras regalias.

Só o impacto destas regalias para os antigos chefes de Estado vai representar mais de um milhão de euros para o Orçamento do Estado, já parco e dependente das ajudas externas que a cada dia diminuem. E é já nesta quarta-feira (18.06) que a começa a próxima sessão no Parlamento moçambicano.

Calton Cadeado
Calton Cadeado, analista político do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em MaputoFoto: privat

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