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Tragédia energética à vista?

21 de julho de 2012

Moçambique está em reboliço por causa das descobertas de grandes reservas de gás. A sociedade civil fiscaliza a atuação do governo no processo, tece com frequência várias críticas, e lança vários alertas ao executivo.

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Navio-plataforma Saipem k10, ele faz a prospeção de hidrocarbonetos na Bacia do RovumaFoto: ENI East

As reservas estimadas até agora são tão grandes que o país pode tornar-se um dos maiores exportadores mundiais dentro dos próximos dez anos. E as multinacionais continuam mergulhadas no seu trabalho de pesquisa, por outro lado o governo está empenhado em traçar estratégias para o setor, e por fim está uma sociedade civil que começa a ficar dividida no que se refere aos benefícios que advem da exploração dos rescursos naturais.

Os espetadores desta azáfama são os cerca de 22 milhões de moçambicanos que podem vir a ser vítimas de uma "trágedia enérgética", caso algumas medidas não sejam tomadas em sua defesa, alertam organizações não-governamentais.

Reservas de "classe mundial" em Moçambique

Ricardo Bueno, diretor de operações da empresa italiana ENI East, que pesquisa hidrocarbonetos na Bacia de Rovuma, na província de Cabo Delgado, diz que "as reservas são importantes, de classe mundial que seguramente vão trazer muito valor para o povo moçambicano."

Esta empresa, que vai a todo o vapor, já encontrou grandes reservas de gás noutros furos da região, e espera o mesmo do Coral1, área em que trabalham agora. E ao mesmo ritmo vão também os economistas, a sociedade civil nas suas ações de fiscalização em relação aos megaprojetos, investimentos a partir dos 500 milhões de dólares, como é o caso das petrolíferas que operam no país.

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Paulino Gregório da ENH garante que ainda não foi encontrado petróleo em quantidades comerciaisFoto: Nadia Issufo

Guerra entre a sociedade civil e governo

O economista moçambicano Nuno Castel-Branco tem criticado veementemente os primeiros megaprojetos por considerar que não trazem benefícios para o país, uma vez que muitos deles gozam de isenção fiscal. Portanto quase não pagam impostos. Ele considera que os megaprojetos são uma reserva fundamental para o país e por isso sugere: "Vamos lá buscar essa capacidade fiscal para podermos começar a diversificar a base produtiva."

Mas o executivo moçambicano recusa-se a avançar por ai, alegando que tem de cumprir com os acordos assinados, caso contrário a sua imagem ficaria manchada.

Paulino Gregório, administrador da área de operações da firma estatal ENH, Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, justifica que isso aconteceu num momento particular, no fim da guerra civil. Segundo ele, "era necessário atrair investimentos, e era necessário fazes essas concessões. Mas a lei já foi mudada."

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Ragendra de Sousa surge com uma posição diferente no que se refere aos megaprojetosFoto: Nadia Issufo

Megaprojetos: a terceira visão

Entretanto, outras visões sobre a questão dos megaprojetos começam a surgir no país. Ragendra de Sousa, perito em economia, aparece como o terceiro elemento que desempata a guerra entre o governo e a sociedade civil: "É um barulho fora de época. É perturbar a sociedade sobre coisas que o Estado ainda vai buscar. Ir buscar que ganhos, se as empresas ainda estão a investir?"

As atividades de prospeção são muito onerosas. Por exemplo, em termos de custos de produção só a ENI East, uma das várias companhias que pesquisam hidrocarbonetos em Moçambique, gasta 1.400.000 dólares por dia com a pesquisa. Com a proteção, que envolve cerca de 80 militares da marinha de guerra moçambicana, a empresa gasta adicionalmente cerca de 200 mil dólares por dia.

Poucos empregos para os nacionais

A plataforma da ENI está a 250 km da cidade de Pemba, mas estão a cerca de 80 km da costa. No navio-plataforma da ENI, que tem um efetivo de 178 pessoas, apenas um é moçambicano, um oficial de marinha. O país não tem quadros especializados para este tipo de indústria, mas algumas empresas que fazem pesquisa já estão a formar quadros locais.

Paulino Gregório da empresa nacional ENH diz que este é um dos desafios do governo moçambicano: "A questão da formação é fazer face aos desafios da indústria que está a crescer, não apenas do gás mas como também do carvão e outros. Mas já estamos a formar quadros." Paulino Gregório também vê outro desafio: "Temos de acrescentar valor aos recursos naturais para a partir do gás natural industrializarmos o país."

Schiffsplattform Saipem 10K
A operação na plataforma da ENI não pára, os turnos são de 12 horas. 28 dias no mar, 28 dias em terraFoto: ENI East

Transparência, um assunto ainda difícil

Por seu lado, o CIP, Centro de Integridade Pública, tem relatado alguns procedimentos do governo que dificultam a sua adesão ao ITIE, a Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva. Até agora Moçambique não conseguiu cumprir com todos os requisitos da ITIE.

Mas o facto do país ter declarado voluntariamente querer fazer parte desta iniciativa internacional para uma maior transparência na exploração dos recursos naturais, merece um elogio do especialista em economia, Ragendra Sousa: "Está a ver o que é um malandro pedir ao polícia para fiscaliza-lo? O governo pediu assistência a Noruega. Mas no que se refere a capacidade técnica ainda tem muito que fazer, principalmente em áreas como estas que foram negligenciadas."

As receitas do gás

Mas Moçambique levará ainda algum tempo para que possa usufruir das receitas do gás. Entre a descoberta até a fase de exploração pode variar entre 6 a 8 anos. Também será preciso montar uma estrutura de liquefação do gás para que possa ser exportado com grandes barcos.

Estrutras, que existem em poucos lugares do mundo, e que custam milhares de milhões de dólares. Nos países de língua portuguesa em África apenas se encontra um único terminal de LNG (Gás Natural Liquefeito) em Soyo, Angola.

Até a chegada das receitas do gás, o governo vai identificando os potenciais clientes. Carlos Zacarias, administrador da área de pesquisa do INP, o Instituto Nacional do Petróleo, garante: "Estamos a olhar principalmente para o mercado asiático que está muito sedento deste recurso, especialmente o Japão e a Coreia que pagam bons preços."

O INP é a instituição do governo que regula o setor. Também é este setor que gere os fundos provenientes da prospeção, avaliados em milhões de dólares, facto contestado pela sociedade civil. Outras críticas feitas são sobre os benefícios sociais.

Exploração de petróleo em Moçambique ainda não é viável

Quanto mesmo ao petróleo, Moçambique vai ter de esperar ainda. É que o governo diz que ele não existe, pelo menos em quantidades comercializáveis. "Embora haja um conjunto de ocorrência de petróleo em algumas regiões, há muitos indícios, mas não temos petróleo", garante Paulino Gregório da ENH. "O nosso nível de pesquisa é muito baixo, temos de continuar a pesquisar e estamos convictos de que um dia encontraremos petróleo."

E a discussão sobre a exploração dos hidrocarbonetos e o uso das suas receitas vai longe. Até lá as sondas das multinacionais entram mar adentro a procura do que faz mover o mundo.

Autora: Nádia Issufo
Edição: Johannes Beck

Tragédia energética à vista em Moçambique?