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"Poluidores têm que pagar"

27 de fevereiro de 2012

Connie Hedegaard, comissária europeia do Clima, falou com a DW Brasil antes de iniciar sua primeira visita ao país. Para ela, só a consciência ambiental não vale: o impacto precisa ser no bolso.

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Em casa, comissária enfrenta críticas por nova taxa ambientalFoto: picture-alliance/dpa

Como comissária europeia do Clima, é a primeira vez que Connie Hedegaard visita o Brasil – ela chega em Brasília nesta segunda-feira (27/02) e retorna a Bruxelas na quarta-feira. Na agenda estão encontros com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e ministro do Exterior, Antonio Patriota. Em conversa com a DW Brasil, a dinamarquesa elogia as iniciativas ambientais brasileiras e revela o que a Europa espera da Rio+20.

Em casa, a comissária enfrenta resistência dura contra a taxa imposta às companhias áreas que atuam na União Europeia por suas emissões. A China, inclusive, boicotou a medida e se recusa a pagar. Hedegaard desafia os países críticos a sugerirem uma melhor solução e confessa, sem romantismo: só a consciência não é capaz de salvar o clima. Quem polui, tem que pagar.

DW Brasil: Como a senhora avalia o papel do Brasil e de outros emergentes na construção desse futuro sustentável?

Connie Hedegaard: Sei que o Brasil tem feito bastante, inclusive depois da conferência do clima de Copenhague, em 2009. Foi muito importante quando o governo brasileiro estabeleceu uma meta de redução das emissões de 36% a 38% até 2020 em relação ao índice que o país teria se nada fosse feito. Isso foi um grande sinal de conscientização.

Eu diria que o Brasil tem um papel-chave como uma grande economia. E não só isso: o país tem também uma grande responsabilidade. Na última semana de negociações da Conferência do Clima em Durban, o Brasil foi o primeiro dos quatro países do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) a dizer que poderia aceitar uma meta obrigatória legal de reduzir as emissões num próximo acordo climático, a partir de 2020. Também sob esse aspecto, eu acredito que o Brasil tem um papel político importante a desempenhar.

A Rio+20 também tem o objetivo de apimentar essa discussão. Sob o ponto de vista europeu, o que seria uma conferência bem-sucedida?

Esperamos que a Rio+20 marque uma mudança de paradigmas na discussão global sobre desenvolvimento. O mundo precisa crescer muito nos próximos anos, a Terra tem cada vez mais habitantes, cada vez mais cidadãos passam a fazer parte da classe média – o que é bom –, mas isso também provoca uma grande pressão sobre os nossos recursos naturais.

Temos a esperança de que a conferência nos coloque na trilha de uma economia mais verde. Uma conferência bem-sucedida aconteceria se os participantes acordassem em trabalhar com objetivos de desenvolvimento sustentável. O sucesso também viria se a Rio+20 definisse pontos muito tangíveis, que faria o mundo fazer algo diferente logo no dia seguinte. Um exemplo seria o acesso universal à energia sustentável. Poderíamos definir como meta o acesso a esse tipo de energia até 2030, com aumento da energia renovável, da eficiência energética. Isso levaria a uma ação imediata logo depois da Rio+20.

Algumas ações práticas rumo a essa economia verde já estão sendo tomadas em todo o mundo; o sistema europeu de comércio de emissões, que agora taxa as companhias aéreas que atuam na Europa é um delas. A senhora esperava que essa medida provocaria tanta hostilidade?

Não sei se estamos surpresos com essa hostilidade. Eu diria que alguns países não amam o sistema europeu de comércio de emissões cobrado da aviação civil. E eles dizem que prefeririam um sistema global. E quem tem brigado fortemente por um sistema global desde 1997? Bem, a União Europeia.

E foi só depois de mais de dez anos lutando por um sistema global, que dissemos: já que os países não querem pressionar por um sistema global, então vamos fazer um regional. Agora muitos países dizem: "ah, na verdade vamos trabalhar para implementar um sistema global". Ninguém ficaria mais feliz do que a União Europeia. Seria mais fácil se eles não fossem contra o nosso sistema, e se todos os países dessem as mãos no âmbito da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês) e criassem o sistema global. Seria um final feliz.

Oficiais da União Europeia indicaram que as regras poderiam ser mudadas se a ICAO de fato indicasse que introduziria uma solução global.

A linha oficial da União Europeia é: no dia em que um regime global entrar em vigor, está claro que o sistema europeu não será mais relevante. Mas não vamos mudar o nosso sistema porque alguns países estão dizendo que gostariam de "discutir" um método global. Esse é o motivo que me faz desafiar esses países que se uniram contra o sistema europeu. Nós sabemos que eles não gostam do nosso sistema. Mas do que eles gostariam? Qual acordo poderíamos chegar no âmbito da ICAO? Esses países podem apresentar uma proposta que assegure um sistema global, que é o que eles dizem que querem? Vamos ver.

Eu tenho certeza de que boa parte dos passageiros que voaram comigo de Munique para Brasília acham justo pagar dois ou três euros a mais pela poluição emitida num voo de longa distância. Estamos falando de uma quantia que sequer pagaria um café no aeroporto de Munique.

A senhora é a favor de os poluidores pagarem pela poluição emitida. Essa seria a maneira mais eficiente de levar governos e iniciativa privada a considerarem o meio ambiente? Fazendo com que sintam o impacto no bolso?

Se não custar nada poluir o ar, ou despejar químicos na água e destruir rios, o homem terá uma tendência de fazê-lo. Por outro lado, se houver uma taxa cobrada de quem polui, então as empresas, os cidadãos e os governos começam a pensar de modo diferente. Passa a valer mais a pena não destruir a natureza, não poluir, não desperdiçar energia.

Quando é necessário que o mundo mude a rota, que faça algo diferente num prazo muito curto de tempo, acho que é muito importante que essa questão da cobrança seja abordada de forma correta. Se você é eficiente, o custo-benefício vale a pena. Se você é ineficiente, isso vai custar algo. Assim há um incentivo para mudar as coisas, é disso que precisamos.

Só a consciência ambiental não vale: no fim, quem ganha a briga é a visão de curto prazo.

Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Francis França