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Denúncia de trabalho infantil em Minas repercute na Alemanha

Geraldo Hoffmann2 de março de 2006

ONG e fornecedora de talco negam uso de mão-de-obra infantil em cadeia produtiva. Faber-Castell interrompe contrato com Minas Talco, que ameaça processar Observatório Social, da CUT, responsável pela denúncia.

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Crianças trabalhando na obtenção de talco?Foto: Observatório Social

Um estudo publicado pelo Instituto Observatório Social – ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) – sobre trabalho infantil na mineração de pedra-sabão e talco, em Minas Gerais, gera troca de acusações entre duas ONGs brasileiras, provoca reações de empresas alemãs e deve parar na Justiça.

A Faber-Castell, fabricante alemã de material escolar – citada na denúncia ao lado da Basf e Tintas Coral (do grupo britânico ICI Paints) como umas das compradoras de matéria-prima extraída com trabalho de menores –, já interrompeu seus negócios com a Minas Talco. A mineradora nega veementemente o uso de mão-de-obra infantil e informou à DW-WORLD que vai processar o Observatório Social.

A denúncia

Resultado de quatro meses de investigação, o estudo de 25 páginas do Observatório Social (OS), intitulado A Idade da Pedra, apontou uma série de irregularidades, como exploração de mão-de-obra infantil, lavra ilegal e transgressão de normas ambientais, em empresas que atuam na mineração da pedra-sabão (da qual se extrai o talco) em Mata dos Palmitos, povoado de 300 habitantes na zona rural de Ouro Preto (MG).

Zeitschrift Observatório Social
Capa do estudo do Observatório Social

Inclusive a Central Mãos de Minas, uma das maiores ONGs do Brasil, foi acusada de vender produtos fabricados mediante exploração do trabalho de menores (veja a íntegra do estudo no link abaixo).

A pedra-sabão é utilizada em remédios, tintas, cerâmica de naves espaciais, cosméticos, borrachas, papéis, sabão e lápis, além de servir como matéria-prima para artesanato. Segundo o OS, além de transgredir a legislação nacional e internacional, o uso de mão-de-obra infantil na mineração compromete a saúde das crianças, visto que, ao carregarem as pedras, respiram poeira do talco, que contém amianto (ou asbesto), causador de câncer.

Em nota de esclarecimento publicada na internet, a Mãos de Minas garante que os artesãos a ela associados passam por treinamento para receberem a certificação do Instituto de Qualidade Sustentável (IQS), "que trabalha com normas rígidas de prevenção, segurança do trabalho e não utilização de mão-de-obra infantil".

A ONG diz já ter ajudado cerca de cem mil artesãos no Brasil e acusa o Observatório Social (também uma organização não governamental) de haver usado as informações fora de contexto e sem lhe dar o direito de resposta antes da publicação, como fizera com as empresas citadas no estudo.

Reação das empresas

Confrontadas com a denúncia antes da divulgação, as empresas mencionadas negaram seu envolvimento e declararam repúdio à exploração de mão-de-obra infantil. A Faber-Castell, que usa o talco (uma de suas 1500 matérias-primas) na produção de um lápis de cera, imediatamente interrompeu suas relações comerciais com a Minas Talco, até o esclarecimento das acusações.

A gerente de produção da Minas Talco e Minas Serpentinito, Rita de Cássia Pedrosa Santos, informou à DW-WORLD que "as denúncias são infundadas e estamos abrindo um processo contra o Observatório Social. Há um equívoco por parte de quem mencionou o nome de nossas empresas como beneficiárias de mão-de-obra de menores. Não temos trabalho infantil e somos terminantemente contra isto, conforme respondi aos clientes, incluindo a Faber-Castell, Basf e ICI”. Ela acrescentou que a empresa perdeu vários clientes e está fazendo um levantamento dos prejuízos decorrentes da denúncia.

O jornalista Marques Casara, autor do estudo e vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo Científico de 2003 com uma reportagem sobre mineração ilegal na Amazônia, disse que já esperava esse tipo de reação. Segundo ele, as multinacionais não são coniventes com o trabalho infantil, mas ainda não têm uma maneira eficiente de monitorar a cadeia produtiva. “A responsabilidade social empresarial é muito mais do que boas intenções”, afirmou (veja link abaixo).

Repercussão na Alemanha

A denúncia também repercutiu nas sedes das companhias alemãs. Após romper o contrato com a Minas Talco, a matriz da Faber-Castell em Stein (próximo de Nurembergue) fez questão de ressaltar que o caso não atinge, em primeira linha, a subsidiária em São Carlos (SP) e, sim, um dos seus 300 fornecedores.

"Mas obviamente levamos este problema a sério. A Faber-Castell do Brasil criou uma força-tarefa para esclarecer o caso e mantém contato tanto com o Observatório Social quanto com as autoridades brasileiras", disse a assessora de comunicação do conglomerado, Sandra Suppa.

O diretor de relações com a mídia da Basf, Thomas Möller, disse à DW-WORLD que a empresa “repudia toda e qualquer forma de trabalho infantil. E isso vale também para nossos fornecedores”. Segundo ele, a Minas Talco enviou uma nota à Basf (que usa talco em tintas industriais e automotivas), negando a acusação e dispondo-se a receber fiscais públicos bem como representantes do Observatório Social.

"A Basf entrou em contato com as autoridades responsáveis. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) nos informou que não puderam ser constatados casos de trabalho infantil nas minas de talco", disse Möller.

Até agora, a denúncia teve pelo menos um resultado positivo. Por ter encontrado crianças trabalhando em casa, no artesanato com pedra-sabão, o MDS anunciou a ampliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) de 60 para 280 vagas em Ouro Preto. Em Mata dos Palmitos haverá uma triplicação do Peti, de 20 para 60 vagas.

Mas a "poeira" levantada pelo Observatório Social ainda não baixou. A Câmara de Vereadores de Ouro Preto vai promover no próximo dia 16 de março, junto com a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, uma audiência pública sobre as denúncias de exploração de trabalho infantil nas minas de talco da região. O Legislativo estadual também estuda a abertura de uma CPI sobre o assunto, informa o Observatório Social.