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Filósofo Jürgen Habermas completa 85 anos

Christina Ruta (av)18 de junho de 2014

Discípulo de Adorno, pensador alemão vê democracia como "palavra mágica" em seu sistema filosófico. Papel de observador crítico e engajado da Europa lhe rendeu críticas, mas também reconhecimento.

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Foto: picture-alliance/dpa

O filósofo alemão Jürgen Habermas completa 85 anos nesta quarta-feira (18/06). Apesar da leitura nem sempre fácil, seus sagazes diagnósticos da contemporaneidade – como em Transformação estrutural da esfera pública, sua primeira grande obra –, seus posicionamentos sobre temas controversos e suas contribuições à filosofia analítica e política o tornaram conhecido mundo afora.

"O que atravessa a teoria de Habermas como um fio condutor é o tema 'democracia'. Ele próprio a definiu, certa vez, como a 'palavra mágica' de seu pensamento", diz Stefan Müller-Doohm, sociólogo e biógrafo do pensador. Um de seus componentes é a noção de que um sistema econômico capitalista precisa ser "domado" com meios democráticos.

O pensador sempre entende democracia no sentido de esfera pública e "na verdade, essa é outra expressão para aquilo que constitui a filosofia dele, ou seja: a ética do discurso", afirma Müller-Doohm.

Na contramão do assim chamado pensamento pós-moderno, Habermas considera possível que, mesmo num mundo globalizado, onde culturas distintas confluem, existam verdades e princípios morais universalmente válidos, aos quais cidadãos (do mundo) podem chegar através do discurso e consenso públicos.

A pré-condição para tal, contudo, é que os interlocutores não se comportem de forma estratégica – como é usual na política –, mas sim com vista ao entendimento mútuo, e que respeitem determinadas "regras do discurso". Cada um deve levar o outro a sério e partir do princípio que o interlocutor é razoavelmente honesto e sincero, e todos devem ter a mesma chance de tomar a palavra. Além disso, todos os mecanismos de força devem ser excluídos. Assim, o discurso seria conduzido pela razão.

"Habermas fala da 'força não forçada do melhor argumento'. O que resulta da argumentação, no fim, é o que se pode denominar de 'provisoriamente verdadeiro' – sendo que não há verdades definitivas, somente provisórias", resume Müller-Doohm.

Entretanto, o filósofo foi alvo de muitas críticas, pelo fato de as condições descritas por ele se referirem a uma "situação comunicativa ideal", que raramente se dá na realidade.

Da barbárie nazista à Escola de Frankfurt

Para o biógrafo Müller-Doohm, a democracia tornou-se tema existencial de Habermas devido principalmente a suas experiências pessoais, "especificamente por ter constatado, em 1945, que [os alemães] haviam vivido sob um regime criminoso, e que houvera uma recaída na barbárie".

Nascido em 18 de junho de 1929, em Düsseldorf, e crescido na também renana Gummersbach, Habermas era um adolescente quando o terror nacional-socialista chegou ao fim. Mais tarde, na década de 80, ele travaria uma célebre disputa histórica com Ernst Nolte. Enquanto o historiógrafo tentava traçar paralelos entre os crimes do nazismo e os do stalinismo, para Habermas, isso significava relativizar a crueldade inigualável do Holocausto.

Já durante a juventude, Habermas se interessa por questões sociais e interfere nelas. Após estudar filosofia, economia e literatura alemã de 1949 a 1954, entre outras disciplinas, ele atua inicialmente como jornalista free-lance. Um dos jornais para que escreve é o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ).

Der Soziologie-Professor Theodor Adorno
Theodor W. Adorno, influenciou Habermas com sua análise crítica da sociedadeFoto: picture-alliance/dpa

Suas publicações atraem a atenção do filósofo Theodor W. Adorno (1903-1969), cofundador da Escola de Frankfurt de Teoria Crítica, juntamente com Max Horkheimer. Adorno leva Habermas para o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt e o influencia com sua análise crítica da sociedade, a qual pretende expor os fundamentos da ideologia e os mecanismos de dominação.

Devido à aversão de Max Horkheimer, na época diretor do instituto, ao jovem de orientação marxista e politicamente engajado, Habermas é forçado a se doutorar na cidade de Marburg. Em 1964, porém, retorna a Frankfurt, como catedrático de Filosofia e Sociologia, e sucessor de Horkheimer.

Vigilante da democracia na Europa

Na década de 60, Frankfurt é um dos bastiões dos, em parte violentos, protestos estudantis na Alemanha. Habermas é a favor da participação política por meio da desobediência civil, mas se distancia de grupos radicais e do líder estudantil Rudi Dutschke, o qual acusa de fascismo de esquerda e acionismo (anti-intelectualismo), em seu escrito A pseudo-revolução e seus filhos.

Com essa atitude, o filósofo granjeia a hostilidade de boa parte da esquerda alemã. Em 1971, é convidado para codirigir o Instituto Max Planck em Starnberg, próxima a Munique.

É nessa época que ele publica sua principal obra, Teoria do agir comunicativo. Nesse diagnóstico do tempo atual, Habermas coloca em primeiro plano a reorientação da integração social através da comunicação, e desenvolve uma teoria da intersubjetividade e da razão comunicativa. Em 1983, retorna a Frankfurt, onde leciona Filosofia até se aposentar, em 1994.

Jürgen Habermas, Professor Emeritus, Philosoph
Habermas como professor emérito em Frankfurt, em 2013Foto: DW

Além de seguir dando palestras como professor emérito, o pensador continuou exercendo influência sobre o discurso social na República Federal da Alemanha. Em 1999, por exemplo, pronunciou-se a favor da controversa intervenção militar da Otan na guerra do Kosovo. "Quando não há nenhuma alternativa, deve ser possível aos vizinhos democráticos recorrer à ajuda de emergência legitimada pelo direito internacional", declarou na época.

Habermas recebeu diversos prêmios e distinções por seu engajamento social, como o Prêmio Cultural de Hessen, em 1999, e o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão de 2001. Ao mesmo tempo, na qualidade de paladino do processo da integração europeia, também tem repetidamente apontado déficits democráticos na União Europeia.

No contexto da "eurocrise", ele se opôs a um curso de austeridade excessivamente rígido e se disse a favor da ampliação da União Monetária a uma democracia "supernacional", em que os atuais Estados renunciem ainda mais à própria soberania.

"A visão dele é de uma sociedade cosmopolita, sem um governo global. E uma Europa unida é um importante impulsionador no sentido desse objetivo", considera Müller-Doohm.