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Convenção sobre os Direitos da Criança completa 25 anos

Claudia Witte (md)21 de novembro de 2014

Tratado da ONU criado em 1989 resultou em progressos, mas ainda há muito a ser feito, apontam especialistas. Pobreza e desnutrição continuam sendo grandes desafios e a principal causa de mortalidade infantil.

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Foto: UNICEF/UKLA2014-1419/Dawe

Um quarto de século depois da adoção da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, 2014 pode ser considerado um ano especial. Pela primeira vez, dois ativistas desses direitos ganharam o Prêmio Nobel da Paz: a paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi.

Malala luta pelo direito das meninas à educação. Aos 17 anos, ela não é apenas a mais jovem vencedora do Nobel de todos os tempos, mas também a primeira e única menor de idade a receber a homenagem até hoje. Yousafzai, de 60 anos, dedicou sua vida à luta contra o trabalho infantil.

"Esta é uma expressão clara de uma nova visão sobre as crianças, um distanciamento da velha imagem que as mostra apenas como pessoas a serem protegidas", afirma o especialista em direito da criança Nigel Cantwell. Ele foi um dos responsáveis pela criação da Convenção sobre os Direitos da Criança, em novembro de 1989.

"Hoje, já se sabe que crianças são capazes de dar sua própria contribuição e que elas devem ser levadas a sério em seu engajamento pelos direitos humanos infantis", diz.

Cantwell aponta que a noção de que crianças não são objetos de educação dos pais e de caridades bem-intencionadas, e sim indivíduos com direitos próprios claramente definidos, ainda não é algo considerado óbvio.

Kinder-Nobelpreis für Malala Yousafzai
Paquistanesa Malala Yousafzai é a primeira menor de idade a ganhar o NobelFoto: Jonathan Nackstrand/AFP/Getty Images

"Esta falta de compreensão evidencia fortemente como a Convenção sobre os Direitos da Criança era algo necessário", acredita. "Aqueles que redigiram e ratificaram as convenções de direitos humanos existentes anteriormente nunca teriam imaginado que seriam aplicadas a crianças. Não há, de fato, limites mínimos de idade para a aplicação das outras convenções, mas ninguém realmente pensou nas crianças. Isto reflete exatamente como era a percepção delas na época. Quanto a seus direitos, elas eram quase inexistentes."

Em 54 artigos, a convenção compromete os Estados signatários a proteger crianças contra discriminação, exploração, abuso e violência. A convenção estabelece expressamente que todas as crianças do mundo, além do direito a um início de vida saudável, também têm o direito de ir à escola e de explorar seu potencial de desenvolvimento intelectual e físico. Em todas as medidas que afetam crianças, elas têm direito a manifestar sua própria opinião e devem ser ouvidas. O bem-estar da criança sempre deve ser prioridade.

Progressos em 25 anos

Agora, 25 anos após a adoção da convenção, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) questiona os progressos realizados. Será que o mundo é um lugar melhor hoje do que era para as crianças em 1989? A resposta dos especialistas é um sonoro "sim", com algumas ressalvas.

"Há áreas em que foram feitos progressos significativos", avalia Nicolette Moodie, do escritório do Unicef em Genebra. "Nas áreas de saúde e educação, por exemplo, o progresso tem sido considerável, mesmo que na educação a coisa não tenha evoluído muito nos últimos anos.".

Nobelpreis 2014 Friedensnobelpreis Kailash Satyarthi 10. Oktober
Indiano Kailash Satyarthi: vida dedicada à luta contra o trabalho infantilFoto: REUTERS/A. Abidi

Um bebê nascido em 2014 tem, de acordo com o Unicef, chance muito maior de completar os cinco anos do que há 25 anos. Graças a vacinas e à melhoria da assistência médica, a mortalidade infantil caiu quase pela metade desde 1990. Mas 17 mil crianças ainda morrem por dia, a maioria delas vítimas de doenças que podem ser prevenidas.

De acordo com o Unicef, pobreza e desnutrição são as principais causas de morte infantil. Por isso, a entidade vê a redução da miséria como uma das metas mais importantes. E nesta área, também são registrados progressos: a quantidade de pessoas nos países em desenvolvimento que vivem em extrema pobreza caiu pela metade. Enquanto em 1990 quase metade dos moradores de países em desenvolvimento vivia em situação de extrema pobreza, em 2010, esse número sequer chegava a um quinto deles.

"Mas as crianças estão desproporcionalmente representadas entre os mais pobres", reconhece Moodie. "Vvemos aqui diferenças significativas, de acordo com renda, etnia, deficiência ou não deficiência."

Também no que concerne à proteção das crianças, os progressos nos últimos 25 anos não foram tão pronunciados. "Nas áreas de violência contra crianças, trabalho infantil e casamentos de crianças, vê-se um progresso lento. Contra o trabalho infantil, não é possível simplesmente administrar uma vacina. Aqui, as medidas são muito mais complexas de ser implementadas."

Metas do Milênio ajudaram

Segundo especialistas, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem sido fundamental para melhorar as condições básicas globais para as crianças. Mas a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU também tem desempenhado um papel importante. A comunidade internacional se comprometeu, no ano de 2000, com metas ambiciosas na luta contra a pobreza e acesso à alimentação, saúde e educação até 2015.

"Conseguimos implementar as metas mais facilmente alcançáveis", lembra Nicolette Moodie, da Unicef, um ano antes do grande balanço oficial de encerramento dos objetivos. "Mas não conseguimos alcançar os mais pobres e marginalizados. E é exatamente aqui que a Convenção sobre os Direitos da Criança e seu princípio de não discriminação nos mostra o caminho que devemos tomar para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Temos que cuidar intensamente daqueles que ainda não atingimos."

A Convenção sobre os Direitos da Criança é uma das mais bem-sucedidas na história da ONU: nenhum tratado de direitos humanos foi aceito pelos países do mundo de forma tão rápida e abrangente. Ela entrou em vigência em 1990, tendo sida ratificada por 194 países até agora, com exceção apenas de Estados Unidos, Somália e Sudão do Sul.

Considerando o apoio quase universal, o mundo é, pelo menos no papel, um paraíso infantil. Entretanto, a realidade de milhões de crianças ainda é marcada por crises humanitárias, violência e pobreza.

Com o martelo na mão

"Há 25 anos, certamente havia uma pressão moral para assinar a convenção", acredita Cantwell. Segundo ele, isso decorre do fato de que, em todo o mundo, as crianças têm um lugar especial na consciência pública, e é mais fácil mobilizar esforços para projetos de crianças do que para ajudar refugiados, por exemplo. Na vida cotidiana, no entanto, a implementação dos direitos das crianças requer um esforço contínuo.

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Bebês têm hoje mais chances de chegar aos cinco anos do que há um quarto de séculoFoto: UNICEF/NYHQ2010-3088/Pirozzi

No início deste ano, a Comissão dos Direitos da Criança da ONU gerou manchetes em todo o mundo ao fazer perguntas persistentes à delegação do Vaticano na ONU sobre o abuso de crianças por padres católicos.

A convenção estabelece que todos os Estados se submetam regularmente à avaliação de uma comissão de peritos independentes em direitos das crianças e relatar a cada cinco anos os progressos e dificuldades na implementação desses direitos em seu território.

Nas avaliações realizadas em cada país, a sociedade civil tem amplas oportunidades de participar. Cada vez mais, crianças praticam seu direito de liberdade de expressão e de serem ouvidas.

"A força potencial da Convenção sobre os Direitos da Criança é enorme", destaca Cantwell. "Ela é um instrumento, uma ferramenta que você precisa para operar corretamente. Um martelo sozinho não consegue pregar um prego. Você tem que pegar o martelo na mão e bater no prego. E é exatamente isso que é preciso fazer com a convenção. É preciso conhecê-la e colocá-la em prática."