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Conflito entre Ocidente e Rússia atrapalha debate sobre arte confiscada

Hendrik Heinze (rm)18 de abril de 2014

Há anos, Alemanha e Rússia divergem sobre devolução de obras de arte confiscadas durante a Segunda Guerra. Especialistas apontam solução, mas crise na Ucrânia dificulta entendimento.

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O quadro "A catedral de Aachen", de Johann Gottfried Pulian, está num museu da Crimeia desde o final da Segunda GuerraFoto: Suermondt-Ludwig-Museum Aachen

No final de 2008, alguns quadros chamaram a atenção de um casal alemão que visitava um museu em Simferopol, na Crimeia. Diante de seus olhos estavam expostas pinturas da cidade natal do marido, Aachen, no oeste da Alemanha – e não eram poucas.

A surpresa foi ainda maior porque, justamente naquela época, uma exposição ousada estava em cartaz no Museu Suermondt Ludwig, em Aachen: fotografias em preto e branco de quadros perdidos no fim da Segunda Guerra, possivelmente levados para a União Soviética pelo Exército Vermelho. O museu de Aachen não sabia do paradeiro das obras até receber a dica do casal alemão.

Depois disso, o processo foi rápido. O diretor do museu de Aachen, Peter van den Brink, viajou diversas vezes para Simferopol para falar com sua colega Larina Kudryashova sobre as pinturas. São, ao todo, 76 obras de pintores alemães do século 19, bem como de artistas holandeses e flamengos do século 17. A peça central da coleção é a Vênus na forja de Vulcano, um quadro de 2 metros por 2,5 metros, de Hendrick de Clerck.

Naquela época, a discussão entre autoridades alemãs, russas e ucranianas sobre arte confiscada durante a Segunda Guerra Mundial havia chegado a um impasse. Cerca de 200 mil objetos de museus alemães – o número exato ninguém sabe – ainda estão na Rússia. A maioria dessas obras confiscadas pertence a coleções privadas. De vez em quando, algumas aparecem em leilões.

Peter van den Brink
Peter van den Brink, do museu de Aachen, buscou solucionar o impasse por meio do empréstimo permanenteFoto: Suermondt-Ludwig-Mueum Aachen

Um verdadeiro diálogo sobre arte confiscada não existe. A Alemanha já exigiu categoricamente, em diversas ocasiões, a devolução das obras – demandas que foram negadas pela Rússia. Mas já foram registrados alguns atos de boa vontade. A Ucrânia, por exemplo, devolveu à Alemanha algumas partituras de Bach.

Van den Brink conta que resolveu romper esse impasse com uma sugestão pouco convencional. "Nós queríamos cinco quadros de volta, que trocaríamos por cinco obras de arte que seriam oferecidas como um presente a Simferopol."

A arte da concessão

Essa troca envolvia cinco quadros especialmente importante para Aachen, incluindo A catedral de Aachen, de Johann Gottfried Pulian. "Para muitas pessoas em Aachen, essa pintura é um símbolo da arte perdida para a antiga União Soviética", disse Van den Brink. Segundo ele, a peça não é valiosa no mercado de arte. "Mas para Aachen ela tem um valor porque mostra a catedral."

O plano de Van den Brink ainda previa que 71 obras de arte confiscadas permanecessem em definitivo em Simferopol, cedidas pela Alemanha como um empréstimo por prazo indeterminado. Seria uma maneira de os ucranianos reconhecerem a propriedade alemã das obras de arte e, ao mesmo tempo, mantê-las consigo.

"Uma ideia excepcional!", avalia o historiador Wolfgang Eichwede, especialista em arte confiscada. Há anos ele insiste que a Alemanha deveria repensar sua posição de exigir a devolução das obras. Segundo ele, há muitos motivos que inviabilizam essa exigência, como a culpa da Alemanha pela Segunda Guerra Mundial e também as ferrenhas posições de cada um dos lados envolvidos no impasse.

Eichwede propõe que as obras saqueadas sejam transformadas, por meio de empréstimos permanentes ou doações, em "embaixadoras" da arte alemã na Rússia.

Hendrik de Clerck Venus in der Schmiede des Vulkan
A "Vênus na forja de Vulcano", de Clerck, é uma das peças centrais da coleção na CrimeiaFoto: gemeinfrei

Anexação da Crimeia mudou tudo

Em outubro no ano passado, o museu de Simferopol deu indicações de que poderia aceitar a oferta, de acordo com Van den Brink: "Nós recebemos um convite para ir a Kiev em maio conversar com o ministro da Cultura. Nesse ponto estávamos."

Mas aí aconteceu a anexação da Crimeia pela Rússia, e tudo mudou. A pintura da catedral de Aachen tornou-se de uma hora para a outra propriedade russa. A não ser que haja uma reviravolta política, a ideia de Van den Brink foi por água abaixo.

"Um diálogo entre Rússia e Alemanha não existe no momento", comenta Eichwede. Muito disso se deve ao fato de o Ministério da Cultura da Rússia considerar o problema das obras de arte confiscadas como resolvido. "Tudo é muito mais difícil com os russos", concorda Van den Brink. "Tudo depende muito mais da vontade de Putin de demonstrar boa vontade para com a Alemanha."

Ao menos por enquanto, a ideia de Van den Brink não conseguiu servir de exemplo para pôr fim ao impasse entre alemães, russos e ucranianos. Mas algumas lições foram aprendidas: deixar de lado a intransigência, dialogar e manter uma disposição para fazer concessões. "Nós só vamos progredir quando aceitarmos que nossos parceiros da antiga União Soviética – Ucrânia e Rússia – também sofreram perdas enormes", ressalta Eichwede.

Direktor der Forschungsstelle Osteuropa - Wolfgang Eichwede
Para Wolfgang Eichwede, Alemanha deve se lembrar que também houve perdas enormes do outro ladoFoto: picture-alliance/dpa