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Cineasta Manoel de Oliveira morre aos 106 anos

Augusto Valente2 de abril de 2015

Cinema de autor europeu perde mito vivo. Lusitano laureado internacionalmente, capaz de combinar temáticas nacionais e pessoais com reflexão universalista, Manoel de Oliveira dizia-se "um grande lutador contra a morte".

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Foto: Miguel Riopa/AFP/Getty Images

Com a morte do português Manoel de Oliveira, nesta quinta-feira (02/04), aos 106 anos de idade, o cinema de autor perde o último remanescente de uma venerável geração. Por ocasião de seu centenário, em 2008, a conceituada revista francesa Cahiers du Cinéma o definiu como "um dos maiores artistas da segunda metade do século 20º".

Nascido em 11 de dezembro de 1908, de uma família da alta burguesia da cidade do Porto, Manoel Cândido Pinto de Oliveira passou a frequentar aos 20 anos a escola de interpretação do italiano Rino Lupo. Como influência cinematográfica profunda, ele citava o documentário experimental de 1927 Berlim: sinfonia de uma cidade, de Walther Ruttmann. Outras inspirações declaradas eram Luis Buñuel, Carl Theodor Dreyer e Charles Chaplin.

Entre 1931 e 2014, Oliveira dirigiu 62 longas e curtas-metragens, grande parte dos quais com roteiro próprio. "Os realizadores sentem-se sempre mais inspirados quando filmam em casa", declarou certa vez, acrescentando que "um filme não surge exclusivamente do realizador, o espaço que ele filma produz também certas reações".

De fato, apesar de todos os prêmios e distinções internacionais ao longo de sua carreira, ele nunca se afastou radicalmente de sua terra natal ou da própria biografia. Assim, seus filmes trazem títulos como Douro, faina fluvial, Estátuas de Lisboa ou Porto da minha infância.

Em Viagem ao princípio do mundo, de 1997, o ator italiano Marcello Mastroianni, em seu último papel no cinema, representa um cineasta veterano chamado, justamente, Manoel, que atravessa Portugal com sua equipe de filmagem, à procura das origens de um ator francês de ascendência portuguesa.

"Sou um grande lutador contra a morte"

Temperando tal proximidade pessoal, Manoel de Oliveira era capaz de analisar a própria produção com lucidez e distância crítica. "Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro porque todo o resto – as paixões, a vida –, não o é."

O realizador também incorporava a proverbial tendência lusitana à nostalgia e à autorreflexão sombria. Numa entrevista à Cahiers du Cinéma, em 2002, contou como, em criança "tinha uma inclinação para a tristeza e para a melancolia". Com o tempo, ganhou "gosto pela vida", mas nunca viu "a melancolia afastar-se".

Der portugiesische Regisseur Manoel de Oliveira Berlinale 2009 Berlinale Kamera für Manoel de Oliveira
Manoel de Oliveira homenageado na Berlinale, em 2009Foto: picture-alliance / dpa

Oliveira, cuja última produção foi o curta Chafariz das Virtudes, considerava o cinema "um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções", e que é importante enquanto ritual, entendido como "um conjunto de signos, de convenções", sem os quais a vida "seria indecifrável".

Comentando seu O dia do desespero, observou: "Desconfio sempre da imaginação. [...] Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, 'a luta'. Todos os meus filmes mostram que, de fato, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo."

"Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar", declarou em 1993. Manoel de Oliveira morreu no mesmo Porto de seu nascimento, infância e juventude.