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Chernivtsi: a cidade dos poetas mortos

18 de fevereiro de 2013

A cidade ucraniana foi no passado uma metrópole cultural. Os artistas judeus, que escreviam em sua língua materna – o alemão – estão mortos, mas sua herança é mais presente do que nunca.

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Foto: DW

Nora Gomringer é uma espécie de estrela entre os poetas alemães, adepta da slam poetry e premiada diversas vezes. "Num ônibus parecido com esse eu ia antigamente para a escola", constata Gomringer, tão admirada quanto feliz ao percorrer as ruas de Chernivtsi.

Gomringer é uma entre os nomes convidados para o Festival de Literatura Meridiano de Chernivtsi, que reúne escritores, artistas e jornalistas da Europa, América do Norte e Israel – todos em busca dos rastros da cultura judaica. De ônibus, eles seguem para uma visita ao cemitério judaico da cidade.

Holunder jüdischer Friedhof in Czernowitz
Nora Gomringer no cemitério judaico de ChernivtsiFoto: DW

Grandes poetas

Paul Celan, nascido em Chernivtsi no ano de 1920, é considerado um dos maiores poetas de língua alemã de todos os tempos. Ele sobreviveu ao Holocausto, embora tenha permanecido altamente traumatizado e nunca superado o que passou. Em 1970, suicidou-se em Paris. Já a poeta Selma Meerbaum-Eisinger, muitas vezes chamada "a Anne Frank da Bucovina", morreu no campo de Michailovska, em consequência de febre tifóide, aos 18 anos de idade.

As irmãs Irene und Helene Silberblatt viajaram a Chernivtsi. Norte-americanas, bisnetas de um judeu natural de Chernivtsi, elas vivem no estado de Novo México, nos EUA. "Tanto Paul Celan quanto Selma Meerbaum-Eisinger eram nossos parentes", contam as irmãs, que buscam no cemitério da cidade o túmulo do bisavô. "Ele está enterrado aqui em algum lugar. Em 2004, quando viemos pela primeira vez a Chernivtsi, alguém nos ajudou a encontrar seu túmulo", contam as duas.

Naquele ano, Irene und Helene Silberblatt haviam sido convidadas para a inauguração de uma placa em homenagem à poeta Selma Meerbaum-Eisinger, colocada na parede da casa onde ela viveu. "Em Chernivtsi, pouco ou nada se sabia a respeito da herança cultural judaico-alemã, mas o Festival de Literatura mudou claramente essa situação", contam as irmãs. Elas pretendem divulgar os poemas de Selma nos países de língua inglesa. Para isso, já mandaram traduzir a obra da poeta e publicaram um volume de poesia com os trabalhos da autora.

Silberblatt Schwester
As irmãs Irene e Helene SilberblattFoto: DW

Paralelos entre escritores

Nora Gomringer relata que mantém há muito uma proximidade com a obra de Selma Meerbaum-Eisinger. "Quando penso a respeito, me lembro que me deparei pela primeira vez com o volume de poesia Ich bin in Sehnsucht eingehüllt (Estou envolta em saudades) no ano de 2001", conta Gomringer. Segundo ela, Selma representa a força e a esperança com as quais uma pessoa jovem vê o futuro. E mostra também como a então jovem poeta acabou perdendo tudo de maneira tão trágica.

Friedhof
50 mil túmulos no cemitério judaico de ChernivtsiFoto: DW

Nora Gomringer vê na figura de Selma Meerbaum-Eisinger semelhanças com sua própria biografia. Enquanto Gomringer começou a escrever aos 16 anos, Meerbaum-Eisinger iniciou-se nas letras aos 15. "Há aí paralelos: o peso, o incondicional do sentimento, tudo isso está dentro desses textos", descreve Gomringer. A escritora acha especialmente trágico o último registro no álbum com os poemas de Selma: "'Não tive tempo de escrever até o fim...' Sempre achei isso o mais tocante e o mais duro", observa Gomringer.

Selma Meerbaum-Eisinger foi deportada para o campo de Michailovska num domingo de junho de 1942. Antes disso, ela conseguiu passar para uma amiga o álbum com seus 57 poemas.

Os últimos judeus de Chernivtsi

Hoje vivem em Chernivtsi aproximadamente 3 mil judeus, estima o rabino Mendel Glizenstein. Ele vem de Eilat (Israel) e mora há quase nove anos na cidade, onde tenta reativar a comunidade judaica. "Preservamos as tradições, criamos jardins de infância, escolas integrais, clubes de estudantes, aulas de Torá para qualquer idade. O mais importante é as pessoas não terem mais medo de praticar a fé judaica", diz Glizenstein.

Rabbi Mendel
O rabino Mendel GlizensteinFoto: DW

Dos judeus que vivenciaram a Segunda Guerra e ainda moram na cidade resta pouco mais de uma dezena de pessoas. E um número menor ainda quando se trata daqueles cuja língua materna é o alemão. Um deles é Max Schickler, nascido em 1919. Schickler gosta de falar sobre os velhos tempos, quando se ouvia alemão a cada esquina em Chernivtsi. "Aqui havia 57 mil judeus e 25 mil alemães. Eles viviam no subúrbio Rosch. Mas também pessoas de outras nacionalidades falavam alemão", recorda Schickler.

No entanto, essas pessoas eram vistas pela administração romena como uma pedra no sapato, pois depois da Primeira Guerra Mundial Chernivtsi tornou-se romena. "Mas os romenos não conseguiram 'romenizar' a cidade. Chernivtsi continuou um lugar de língua alemã", afirma Max Schickler num alemão preciso e sóbrio, que às vezes soa até mesmo lacônico.

Depois da guerra, só restava na cidade a metade do número de judeus. A outra metade morreu ou emigrou. Por outro lado, judeus de todas as partes da Ucrânia migraram para Chernivtsi, uma cidade cujo nome atraía essas pessoas de forma quase mágica. Porém, os novos moradores judeus da cidade, recém-imigrados, não falavam alemão. Apesar disso, alguns colegas antigos de Schickler ficaram, com os quais ele sempre conversava sobre a velha Chernivtsi, sobre Paul Celan, que frequentou a mesma escola que ele, bem como sobre Rose Ausländer e outros poetas.

Max Schickler Foto
Max SchicklerFoto: DW

Chernivtsi sempre presente

Nos áureos tempos, quando a Bucovina era parte do Império Austro-Húngaro, a rua principal de Chernivtsi, de nome Olga Kobylanska, tinha grandes semelhanças com a nobre Herrengasse de Viena. Num palácio antigo, Nora Gomringer faz uma leitura de suas obras. Ela visita Chernivtsi pela primeira vez, a convite do Instituto Goethe. Mas em pensamento, conta a escritora ao público presente, ela já esteve muitas vezes na cidade, sempre em busca dos rastros dos poetas nascidos ali: Paul Celan, Rose Ausländer e Selma Meerbaum-Eisinger.

"Já que sempre escrevi muito sobre a shoá, me pedem com frequência, na Alemanha, para falar aos jovens sobre o assunto. Por isso redigi três textos, que foram usados em uma série escolar didática no país", conta Gomringer. Um desses textos leva o título de Monólogo e é dedicado a Selma Meerbaum-Eisinger, diz a escritora.

"Chernivtsi é um meridiano"

O Festival de Literatura Meridiano de Chernivtsi aconteceu pela primeira vez há dois anos, relata Irene Silberblatt. "Foi fascinante. Paul Celan escreveu que Chernivtsi seria um meridiano: algo imaterial, que liga as pessoas de todo o mundo. Só ontem que pensei como isso é de fato verdadeiro", diz.

Paul Celan
O escritor Paul CelanFoto: picture-alliance/dpa

Na porta da casa onde há uma fotografia e uma placa em homenagem a Selma Meerbaum-Eisinger, Irene Silberblatt questiona o que teria sido da escritora caso não tivessem tirado sua vida tão cedo: "Tenho certeza de que ela seria hoje uma pessoa generosa, afetuosa, passional e compreensiva. Ela nunca teve medo de se opor à injustiça".

Abordagem pela arte

Ao fim da viagem a Chernivtsi, Nora Gomringer leva para casa de volta a constatação de que a poesia e sobretudo os poemas de Selma Meerbaum-Eisinger abrem novas abordagens para tratar do tema do Holocausto. "Através da Selma temos a oportunidade de não nos aproximarmos da shoá de maneira documental, mas sim pela arte. É uma forma de abordagem totalmente diferente, que nos permite uma aproximação muito mais pessoal. E neste sentido percebe-se também que a poesia pode ser muito política", resume a escritora.

Selma Gedenktafel
Placa em homenagem a Selma Meerbaum-EisingerFoto: DW

Autora: Birgit Görtz (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer