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Carvão é lema da mostra de arte Manifesta 9

20 de junho de 2012

Ao lado da Documenta de Kassel e da Bienal de Veneza, a Manifesta está entre as mostras de arte mais conceituadas da Europa. Realizada a cada dois anos em uma cidade diferente, acontece em sua atual versão na Bélgica.

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Foto: DW

A designer alemã de moda Eva Gronbach, de Colônia, recicla uniformes de trabalhadores de minas de carvão do Vale do Ruhr. Ela reinventa as roupas daqueles que passaram uma vida na mineração. A coleção, intitulada german-jeans, é apresentada em Genk, na Bélgica, durante a Manifesta 9, uma das mostras de arte mais conceituadas da Europa, ao lado da Documenta de Kassel e da Bienal de Veneza.

Gronbach vê essas roupas como metáfora atual do processo de transformação da própria sociedade: do trabalho físico pesado ao mental, da produção em massa à confecção individualizada, de uma estrutura patriarcal a uma matriarcal.

Escultura de Eva Gronbach: 'Do escuro para a luz'
Escultura de Eva Gronbach: 'Do escuro para a luz'Foto: DW

Moda liga passado a presente

Os german-jeans de Eva Gronbach expressam bem o espírito da Manifesta 9. Em 25 mil metros quadrados, na antiga carvoaria Waterschei, a exposição bienal itinerante fica aberta até o próximo 30 de setembro, mostrando os efeitos da transição da era industrial às condições de trabalho atuais.

Contando 65 mil habitantes, Genk é o cenário ideal para a mostra. A terceira maior cidade da Bélgica teve o mesmo destino de diversas localidades alemãs do Vale do Ruhr, a aproximadamente 100 quilômetros de distância.

Em 1900, o carvão foi encontrado pela primeira vez na cidade e a partir de então a vida urbana passou a existir somente à sombra da mineração. Em seus tempos áureos, a cidade atraía trabalhadores de mais de 32 nacionalidades. Em 1987, a exploração do carvão chegou ao fim. E os imponentes resquícios da Mina Waterschei são testemunho da história instável da região.

Arte vinda do carvão

Desde que foi criada, a Manifesta procura refletir sobre as mudanças sociais ocorridas na Europa. Já sediaram a mostra Roterdã, Luxemburgo, Liubliana e Murcía – onde ela foi realizada dois anos atrás, numa penitenciária. Para manter a ligação com a realidade, a Manifesta apresenta também um andar inteiro cheio de documentos sobre a era da indústria pesada na região.

Mina Waterschei: reformada por fora, decadente por dentro
Mina Waterschei: reformada por fora, decadente por dentroFoto: DW

Numa das vitrines da exposição, há carteiras de identidade de crianças que trabalhavam na carvoaria Bois du Luc: 85 meninos e meninas com menos de oito anos prestavam ali seus serviços. E eram milhares os que tinham menos de 14 anos. Mas há também registros de trabalhadores orgulhosos do que faziam, entre eles aqueles que criavam grupos de pintura, a fim de documentar, através de tocantes desenhos, suas vidas cotidianas.

Genk é, para os curadores da Manifesta 9 – Kristina Gredos, Cuauhtémoc Medina e Dawn Ades – um microcrosmo das mudanças na Europa, um continente no qual o carvão perdeu sua importância como combustível e onde a crise dos bancos e financeira está levando o Estado do bem-estar social aos limites de sua capacidade.

Produção animal em massa

A instalação do equatoriano Kuai Shen, que vive na cidade alemã de Colônia, é um exemplo típico dessa condição. Num conjunto de vasilhames de vidro que mais se assemelha a uma experiência escolar de laboratório em grandes dimensões, é possível observar de perto o trabalho de formigas saúvas.

Análise de saúvas por artista equatoriano
Análise de saúvas por artista equatorianoFoto: DW

Shen observa há anos as formigas, que ele próprio cria. Segundo o artista, as saúvas têm um senso comunitário exemplar: elas cortam folhas para alimentar um cogumelo que por sua vez as alimenta. Uma simbiose perfeita.

Os ruídos resultantes desse trabalho ecoam através de alto-falantes na sala de exposições. Para Kuai Shen, as formigas representam a crise na Europa: "Não precisamos mais de uma sociedade que seja construída como uma pirâmide. Precisamos redefinir o conceito de comunidade, a fim de sobreviver", diz o artista.

Produção e trabalho

Em dois outros andares, a Manifesta expõe obras que refletem sobre a reestruturação econômica do nosso sistema de produção. Os artistas vêm de todo o mundo. Uma seção especial se dedica à história da arte do carvão desde 1800 até o início do século 21.

As séries de fotografias de edificações ou paisagens sem presença humana, no trabalho dos artistas alemães Bernd e Hilla Becher, documentam a funcionalidade da arquitetura imponente das minas de carvão na Bélgica. Todas as obras expostas estabelecem algum tipo de diálogo com o lugar e sua história. Isso vale tanto para as galeria de mina apresentada como o inferno, como para o gênero específico da poluição ambiental pela indústria pesada.

Trabalho de Richard Long na Manifesta
Trabalho de Richard Long na ManifestaFoto: DW

Atmosfera industrial sombria

A Manifesta 9 abdica desta forma do circo dos eventos de artes plásticas. Ela não oferece nenhum alimento para o mercado dos colecionadores ávidos, não esquecendo por nenhum momento seu lema – seja na reencenação dos sacos de carvão de Marcel Duchamp, que pendem do teto sobre as cabeças dos visitantes como nuvens sombrias; seja no escuro tapete de carvão de Richard Long; ou nas pesquisas da austríaca Aglaia Konrad sobre a história da Cozinha de Frankfurt – o protótipo da moderna cozinha modulada – e o papel da mulher na produção em massa.

Se o carvão já se esgotou em termos de combustível fóssil, ele movimenta a arte e demonstra em Genk o enorme potencial que traz para a reflexão sobre a nossa vida, hoje.

Autora: Sabine Oelze (sv)
Revisão: Augusto Valente