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Carlos Correia: a testemunha do "Massacre de Pidjiguiti"

Marcio Pessôa
16 de agosto de 2014

O ex-primeiro-ministro guineense, Carlos Correia, é uma das memórias vivas do episódio histórico que, para muitos, marca o início da guerra de libertação da Guiné: o "Massacre de Pidjiguiti".

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Carlos Correia intervindo num congresso após a independência da Guiné-BissauFoto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral

Em 1959, Carlos Correia ajudou a mobilizar trabalhadores do porto de Bissau para uma greve por melhores salários - que aconteceria no dia 3 de Agosto daquele ano.

A violenta repressão ao movimento fez 50 mortos e uma centena de feridos. Carlos Correia era funcionário da Casa Gouveia, um dos maiores comércios de Bissau, ligada à Companhia União Fabril de Portugal. Ele ajudou a mobilizar o grupo de trabalhadores grevistas, viu corpos sendo retirados do porto, mas diz que não esteve diretamente envolvido no episódio.

Nesta entrevista à DW África, Carlos Correia lembra a situação dos trabalhadores guineenses na época e as motivações para o levante pacífico que acabou sendo o estopim para a escalada de acontecimentos que levou à luta armada.

O ex-primeiro-ministro também revela o esforço de alfabetização em massa do movimento de libertação. A formação não tinha como objetivo apenas instruir ideologicamente guerrilheiros, mas também dar-lhes condições de manusear o armamento importado.

Carlos Correia, Mitglied der PAIGC
Carlos Correia foi membro do Bureau Político do PAIGC e mais tarde responsável pela Comissão de Segurança e ControloFoto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral

DW África: Como o senhor se salvou do massacre?

Carlos Correia (CC): Eu não estive metido no barulho. Eu era um funcionário da Casa Gouveia. Eu aprendi muito com os marinheiros e com aqueles trabalhadores simples da Casa Gouveia. Eu era empregado no setor de contabilidade da Gouveia. De vez em quando, eu era chamado para fazer o pagamento dos trabalhadores em Bissau. Constatava que alguns marinheiros recebiam salários muito baixos e se socorriam com vales. Isto pode parecer, mas não era favorável aos trabalhadores porque recebiam parte do salário e um complemento com géneros alimentícios e outras mercadorias. Eles acabavam se tornando um “cliente certo” da Gouveia.

Tiramos lições destas situações vividas pelos marinheiros, o que nos mobilizou politicamente. Neste dia, quando soou o alarme eu nem saí com medo de perder a calma. Depois da ordem de serviço, eu saí. Era o momento em que estavam retirando os corpos e colocavam nos caminhões para levar ao hospital. Foi aí que eu tive um “desabafo”. Os polícias vieram me provocar. Eu reagi e fui preso. Portanto, eu não estive diretamente envolvido, mas tinha contato com os marinheiros e conversávamos muito. Como ali estava um jovem também de família simples, eles tinham confiança em mim.

DW-África: O senhor foi perseguido depois.

CC: Como o gerente da Gouveia era chefe do partido nacional, futebolista e jogava numa equipa cujo presidente era o chefe da polícia, acabei sendo libertado no dia seguinte. Os colonialistas pensaram que os marinheiros poderiam organizar outra mobilização. A PIDE sede questionou os seus representantes em Bissau, se havia um indivíduo que se realçou naquela situação. Eles deram ordem para que eu fosse preso. O camarada Aristides (Pereira), que era chefe dos correios, recebia estas transmissões secretas e mandou me avisar. Eu fugi.

Carlos Correia: a testemunha do "Massacre de Pidjiguiti"

DW África: O que mudou em sua vida a partir desta situação?

CC: Houve uma reunião aqui em Bissau nesta altura, quando se reorientou a política do PAIGC. Definiu-se que era preciso deixar de lado as ações nas grandes cidades porque o colonialista coordenava as suas forças nestes locais. E também era importante que todos se preparassem para todas as possibilidades.

Esperar o melhor, mas se preparar para o pior. Ao invés de continuarmos a fazer reivindicações enfrentando a força colonial nos centros urbanos, era necessário preciso se retirar para o interior para se preparar para o eventual desenvolvimento da luta armada, caso o colonialista não aceitasse as nossas reivindicações políticas e o que foi definido na Assembleia Geral da ONU de 1960 quando se definiu a auto-determinação dos povos. Quando eu fugi para Conacri, muitos outros jovens também saíram. Muitos estavam a procurar emprego em um país africano independente, outros tinham razões políticas. Nesta altura, Amílcar constituiu um grupo para dar formações políticas e eu o ajudava.

DW África: A luta armada exigiu que todos adquirissem conhecimento técnico rapidamente.

CC: Quando se começou a dominar o território este problema persistiu. Por volta de 90 por cento da população era analfabeta. Para manusear as armas que tínhamos, era necessário saber ler. Então, foram criadas escolas, sobretudo depois do Congresso de Cassacá, em 1963. O congresso definiu também a criação de hospitais para tratar dos nossos feridos. Em 1965, foi criada a primeira escola-piloto – montada em Conacri, frequentada por filhos dos quadros que estavam em serviço em Conacri e outros alunos selecionados no interior da Guiné. Mais tarde foram criados semi-internatos no interior da Guiné.

DW África: O que restava à ser discutido para que ocorresse um acordo de paz depois do 25 de Abril de 1974?

CC: Era a independência. Havia a teimosia do governo português. Antes e ao longo de toda a luta armada, o PAIGC exigia que Portugal cumprisse o que havia sido definido pela ONU: o direito de autonomia ao povo guineense. Chegou-se ao 25 de Abril e, mesmo assim, Portugal não concedeu a independência. Foi preciso a negociação até o reconhecimento da independência proclamada unilateralmente em 19 de abril de 1973.

Carlos Correia e o "Massacre de Pidjiguiti"

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