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Brasil pode incluir exame de DNA de graça na busca por diagnóstico

Ivana Ebel5 de julho de 2013

País estuda a viabilidade econômica de mapeamento de parte do DNA de pacientes do SUS. Exame ajudaria no diagnóstico de doenças difíceis. Reino Unido já oferece o serviço, embora assunto seja polêmico.

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Foto: Fotolia/majcot

O Brasil estuda a viabilidade de oferecer o sequenciamento genético como uma alternativa para facilitar o diagnóstico de casos complicados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O argumento é que mapear parte do DNA seria mais rápido e mais efetivo que a série de exames atuais – e, por isso, mais barato. Alguns países, como o serviço público do Reino Unido, já usam o recurso.

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi encarregada de fazer essa conta. A médica Iscia Lopes-Cendes, chefe do Departamento de Genética Médica e coordenadora do Laboratório de Genética Molecular da universidade chefia uma equipe multidisciplinar de 30 pesquisadores que quer descobrir o que sai mais barato: submeter o paciente a uma série de procedimentos tradicionais, de exames laboratoriais a tomografias computadorizadas, ou sequenciar o DNA para encontrar a causa de doenças de difícil diagnóstico.

O Brasil detém a tecnologia: pacientes privados já recorrem ao sequenciamento completo do exoma, uma parte do DNA onde estão as informações para a produção de proteínas vitais para o organismo. Rastrear essa parcela de 2% de toda a cadeia genética humana custa 1,7 mil reais – entre 70% e 80% das alterações conhecidas se encontram nessa fatia. Já o mapeamento do genoma inteiro de um indivíduo não sai por menos de 30 mil reais. O exame não tem qualquer relação com a prática forense de DNA para a determinação da paternidade, por exemplo.

"Nesse custo está embutido também o tempo", adianta a doutora. Segundo a pesquisadora, em algumas situações é possível chegar a um diagnóstico rápido e correto em um mês ou pouco mais. Pelos métodos tradicionais, a pesquisa pode chegar aos mesmos resultados, mas demanda normalmente cinco anos de exames e incertezas. Para transformar essa situação em números precisos, a pesquisa vai usar dados coletados a partir de agora, mas também informações de pacientes que já passaram por um processo de investigação.

Alvo específico

Em uma fatia de 2% do DNA podem estar entre 70% e 80% das mutações que causam doenças
Em uma fatia de 2% do DNA podem estar entre 70% e 80% das mutações que causam doençasFoto: DW

A médica explica que a intenção é pesquisar combinações específicas dentro do DNA coletado. Algumas delas já são conhecidas da literatura médica, mas Lopes-Cendes não descarta que novas descobertas possam ocorrer durante o processo, permitindo um detalhamento ainda maior da amostra. Mas a busca não tentará apenas entender a origem dos sintomas que perturbam o paciente. "Temos a obrigação de procurar algumas variantes genéticas que são passíveis de prevenção e que podem ser tratadas", explica.

O procedimento padrão é que, nesses casos, outras predisposições também sejam reconhecidas – o que a medicina chama de achados incidentais. "Geralmente, o indivíduo nem sabe que tem essa predisposição", diz Lopes-Cendes. Entre essas doenças, a pesquisadora destaca a hipertermia maligna, que pode acometer pacientes em caso de anestesia geral e aumentar muito o risco durante uma cirurgia. Ou ainda uma doença cardíaca que pode levar à morte súbita, além da predisposição a determinados tipos de câncer.

Mas o paciente decidirá se quer saber os resultados. "A comunidade europeia pensa diferente. Quem faz o exoma não tem obrigação de informar sobre os achados incidentais. Nós aqui pensamos diferente, como os norte- americanos. Achamos que, quando o paciente escolhe, ele deve ser informado", esclarece.

Invasão de privacidade

O problema maior está em quem terá acesso a esse tipo de informação, além do próprio paciente. Helen Wallace, pesquisadora e diretora do GeneWatch, uma organização não-governamental inglesa que defende a privacidade biogenética, alerta para o uso comercial desses dados. De posse da informação de que um paciente teria uma predisposição genética para determinada doença, um plano privado de saúde poderia, por exemplo, cobrar mais pelo serviço ou ainda rejeitar um novo membro.

Para Wallace, as implicações maiores estão relacionadas à privacidade, já que mesmo pequenas parcelas do DNA podem levar à identificação de uma pessoa ou todo o seu grupo familiar. No Reino Unido, o sequenciamento já é usado no sistema público de saúde para o diagnóstico de mais de mil doenças. Wallace não vê problemas quando o uso é apenas no diagnóstico de pessoas com um sintoma específico. "O problema é o mapeamento do DNA de pessoas saudáveis", destaca.

Ela afirma que o governo britânico planeja, em um projeto piloto, construir uma base de dados com o DNA de milhares de cidadãos. Conforme o relatório da GeneWatch, essa plataforma seria aberta para diferentes pesquisas – o que poderia fazer com que empresas privadas tivessem acesso a uma preciosa fonte de informações pessoais.

A preocupação é saber quem terá acesso a dados tão detalhados além do próprio paciente
A preocupação é saber quem terá acesso a dados tão detalhados além do próprio pacienteFoto: picture-alliance/dpa

Conexão entre dados e voluntários

Instruções do Centro de Pesquisa do Genoma Humano (NCHGR, em inglês), um dos principais parceiros do projeto Genoma – um esforço científico coletivo que mapeou o DNA humano pela primeira vez –, sugerem que as amostras de DNA sejam mantidas anônimas. "Uma das formas mais efetivas para proteger os voluntários contra o uso não autorizado de informações é assegurar que não existam chances de conectar as informações ao doador", propõe o órgão em seu guia para a pesquisa de sequenciamento genético em larga escala. O governo britânico reitera a intenção em seu relatório de políticas genéticas para a saúde.

Essa desvinculação entre doador e amostra pode, no entanto, não ser o bastante para assegurar a privacidade. Cientistas da Universidade de Harward pesquisaram dados relacionados a 1130 pessoas que doaram amostras voluntariamente para o projeto Genoma. Desse total, 579 informaram o código postal da área onde vivem. Os dados estão na internet, para ajudar pesquisadores em pesquisas na área de saúde.

Os nomes dos doadores não constam na lista, mas com base nas informações do histórico médico – como abortos, uso de drogas ilegais, alcoolismo, depressão, doenças sexualmente transmissíveis e uso de medicamentos contínuos – os pesquisadores foram capazes de identificar 241 paciente. Ou seja, 42% de todo o material doado anonimamente teve seu doador identificado. A experiência recente levantou dúvidas sobre a proteção das informações genéticas de voluntários em todo o mundo.

Futuro do mapeamento no Brasil

Os estudos feitos no momento pela Unicamp têm o objetivo de ajudar o SUS a decidir  se é viável incorporar o exame na sua lista de procedimentos. Não se trata do mapeamento completo do genoma, como aconteceu nos Estados Unidos. Além disso, a pesquisa ainda deve levar de três a quatro anos para ficar pronta. Só a partir dela é que o governo vai resolver o que fazer.

A médica Iscia Lopes-Cendes é a favor da adoção da ferramenta pelo SUS o mais rápido possível, pelo bem de quem aguarda um diagnóstico. No entanto, ainda não sabe onde o serviço público brasileiro vai arquivar a informação que poderá ser coletada, ou quem terá acesso a ela.