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As novas leis do sultão de Brunei

Roxana Isabel Duerr (rpr) 15 de maio de 2014

No sultanato de Hassanal Bolkiah, chefe de Estado e guardião do islã, "crimes" como adultério e ofensa a Maomé poderão ser punidos com apedrejamento. Para analistas, sharia pode garantir sobrevivência política do sultão.

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Mesquita em Brunei, país de maioria muçulmanaFoto: Reuters

Ele tem a que, para muitos, é a maior coleção de carros esportivos e de luxo do mundo. Vive num palácio com 1.800 quartos, é um dos homens mais ricos do planeta e está, desde 1967, à frente de um sultanato com 420 mil súditos. Acumula, ainda, as funções de chefe de Estado, de governo, de ministro da Defesa e das Finanças.

Na condição de mais alta autoridade muçulmana de seu país, Hassanal Bolkiah introduziu em 1º de maio a sharia em Brunei – o primeiro Estado do Sudeste Asiático a ter o sistema legal islâmico instalado em nível nacional.

A primeira parte do novo sistema penal já vigora: não jejuar durante o Ramadã e não rezar na sexta-feira pode gerar multa ou mesmo prisão. A segunda fase, ainda mais severa, deve passar a valer dentro de um ano: muçulmanos que forem pegos roubando ou consumindo bebidas alcoólicas podem ser sentenciados a chibatadas ou terem o braço cortado.

A fase final, ainda sem data para ser aplicada, prevê pena de morte, inclusive por apedrejamento, para os crimes de adultério, sodomia ou insulto ao profeta Maomé. Ainda não está claro, no entanto, como as leis islâmicas vão coexistir com o antigo código civil e penal da ex-colônia britânica.

"É importante levar em consideração que há flexibilidade sobre o quão estritamente se interpreta a sharia", explica Joshua Roose, cientista político da Universidade Católica de Melbourne, na Austrália.

Direitos humanos em risco

Juristas e organizações de defesa dos direitos humanos já mostraram preocupação. Para Phil Robertson, representante da Human Rights Watch na Ásia, a aplicação da sharia é um revés significativo. "É um passo autoritário rumo a punições brutais, medievais, que não deveriam ter lugar no mundo em pleno século 21", afirma.

Rupert Colville, da Comissão de Direitos Humanos da ONU, também condena a instalação da sharia em Brunei. Ele lembra que o apedrejamento de seres humanos é considerado, de acordo com as leis internacionais, um ato de tortura.

Até 2015, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), da qual Brunei faz parte, quer estabelecer uma união aduaneira, com liberdade de movimento entre os cidadãos dos países-membros. E Emerlynne Gil, da Comissão Internacional de Juristas de Bangkok, diz que o grupo deve levar em conta o que está acontecendo no sultanato.

"A Asean quer provar para o mundo que é uma organização capaz de desenvolver suas próprias normas de direitos humanos. E esse esforço é minado pelas novas leis de Brunei", diz a jurista. "Os países-membros devem atentar para o fato que, a partir de agora, seus cidadãos estarão sujeitos a essas leis quando estiveram no sultanato."

Hassanal Bolkiah Sultan in Brunei
Sultão de Brunei acumula funções de chefe de Estado, de governo, além de ministro da Defesa e de FinançasFoto: Reuters

Ainda não está claro também em que medida a sharia será aplicada aos não muçulmanos de Brunei. Dois terços da população são muçulmanos malaios. O resto é composto por cidadãos de origem chinesa, filipina, ocidental ou por indígenas das mais variadas crenças.

Segundo Joshua Roose, é provável que a maioria muçulmana apoie, até certo ponto, as novas leis. O cientista político da Austrália lembra que os bruneanos não estão acostumados a expressar livremente seu descontentamento: "Brunei vive há décadas sob uma ditadura. E acabou, devido a sua relativa riqueza, não sendo afetado pelos movimentos de contestação popular que atingiu os vizinhos do Sudeste Asiático."

A população sempre se beneficiou dos lucros derivados do petróleo – praticamente não paga impostos e tem acesso a educação e saúde gratuitamente. Para Emerlynne Gil, os bruneanos, indiretamente, venderam seu consentimento. "Por medo de perseguição, as pessoas se calam e não criticam a sharia", afirma a jurista.

Temor regional

Nas vizinhas Malásia e Indonésia predomina um islamismo mais moderado. Mas ambas, alerta Phil Robertson, vêm demonstrando uma perigosa tendência a uma interpretação mais rígida do Alcorão. "Há pessoas nos dois países que vêm tentando usar a religião para suprimir direitos humanos de grupos sociais de religião diferente", diz o especialista da Human Rights Watch.

OVERLAY Sultan Omar Ali Saifuddin Moschee in Bandar Seri Begawan,der Hauptstadt von Brunei
Há dúvidas de como as leis islâmicas vão coexistir com o antigo código civil e penal de BruneiFoto: Fotolia

Na Indonésia, a província de Achém introduziu uma versão branda da sharia em 2000. Na Malásia, o estado de Kelantan é governado pelo islamista PAS, que está avaliando implementar a sharia, mas esbarra na Constituição, que diz que o país é secular.

"Brunei está há quatro décadas em estado de emergência, sendo o sultão, ao mesmo tempo, o Executivo e o Legislativo", diz Gil, que não vê sinais de o Sudeste Asiático estar se tornando mais conservador. "O caso de Brunei representa a vontade de uma única pessoa, ou das pessoas que a cercam. Não é uma tendência."

Para alguns observadores, a decisão do sultão tem motivação política. Os recursos de Brunei podem definhar nos próximos anos, o que pode gerar insatisfação popular. E, nesse contexto, afirmam, a sharia pode ser uma forma de o sultão preservar a coesão social e assegurar sua sobrevivência política.