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Após terremotos, nepaleses enfrentam chuvas e violência

Alys Francis, de Katmandu (av)18 de maio de 2015

Para muitos, os tremores foram apenas o começo da catástrofe. Desabrigados, eles terão pela frente o longo período de tempestades e, ainda pior, a ganância e os abusos de outros seres humanos.

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Nepal Erdbeben
Foto: DW/A. Francis

Anhita Pahari e seu filho Suman, de dez anos, vivem apertados com seis outras famílias numa tenda no Parque Tundikhel, no centro da capital nepalesa, Katmandu. O abrigo só os protege insuficientemente das intempéries e outros perigos. "O aperto é sufocante", diz a mulher, enquanto lava roupas num balde. "É quente aqui dentro, tem gente que já está sentindo febre."

Há três semanas ela teve que saltar de uma janela de sua residência, quando um terremoto de magnitude 7,8 abalou o antigo reino no centro do Himalaia, destruindo a casa da família. O tremor é considerado o maior do Nepal em mais de 80 anos. Com seu epicentro situado a 80 quilômetros a noroeste de Katmandu, bem no centro do país, ele mergulhou a capital no caos.

Após uma série de réplicas – os abalos sísmicos subsequentes, o mais forte dos quais alcançou 7,3 pontos em 12 de maio –, as autoridades calculam o número atual de mortos em pelo menos 8.500. Outras dezenas de milhares estão feridas, cerca de 500 mil casas foram destruídas. Parte-se do princípio que ainda mais pessoas vão morrer dos efeitos da catástrofe – ou que já estejam mortas sob os escombros.

Centenas de milhares de nepaleses perderam suas casas. A família pahari provavelmente terá que passar a temporada de chuvas com estranhos, sob a frágil cobertura de seu abrigo de emergência.

Porém mais sérios do que as condições meteorológicas são os perigos que partem de outros seres humanos. "De noite, tem gente que tenta invadir a tenda e nos roubar", conta Anhita. Os ajudantes voluntários também têm notícias de violência sexual, crimes e discriminação dos membros de castas mais baixas, tanto nos abrigos oficiais como nas barracas improvisadas.

Apesar de chocante, esse fato não é incomum, afirma Devanna de la Puente, assessora de segurança do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Após catástrofes, há quase sempre certas pessoas que se aproveitam da desgraça dos demais. No Nepal, esse perigo é especialmente alto para mulheres sem proteção masculina e para os das castas mais baixas, que perderam seus círculos sociais.

Nepal Erdbeben
Mulheres sozinhas como Anhita Pahari (dir.) têm motivos concretos para temer violênciaFoto: DW/A. Francis

Localidades isoladas

A temporada das chuvas ameaça em especial as vítimas do terremoto nas regiões isoladas. "Organizações não governamentais procuram ajudar, mas não podemos estar em toda parte", lamenta De la Puente. "E os tremores posteriores puseram o pessoal de ajuda de volta à estaca zero, colocando ainda mais localidades em situação de necessidade."

Sobretudo as aldeias distantes, na fronteira com a China, só são acessíveis de helicóptero ou através de trilhas íngremes, após horas de marcha. Quando começar o período das monções, elas ficarão totalmente isoladas do mundo exterior. A época das chuvas dura cerca de dois meses no Nepal. Só quando ela tiver passado e o céu clarear é que se começará com a reconstrução.

Porém nem mesmo isso é pensável no distrito de Dolakha, local do epicentro do segundo abalo, aponta Tibendra Banskota, da ajuda técnica da ONG Plan International. Muitas das encostas em terraços estão semeadas de fissuras, portanto "não há lugar adequado para reerguer as casas".

Aos voluntários só resta evacuar as localidades devastadas e procurar nova moradia para os sobreviventes. Se os flagelados não receberem novas terras para se assentarem, prevê Banskota, as monções acarretarão um segundo desastre,

No entanto, as organizações humanitárias não sabem nem mesmo quantos precisam de ajuda nas aldeias. "No momento não temos nem como dizer quantos estão tendo que dormir a céu aberto", diz Jamie McGoldrick, que coordena a assistência humanitária das Nações Unidas no Nepal.

A ONU tenta levar gêneros de primeira necessidade às regiões isoladas dos distritos mais atingidos, antes que comecem as chuvas. Para tal, emprega helicópteros, envia equipes com alimentos e considera até mesmo recrutar os caminhões da população local. "É uma corrida contra o tempo", comenta o coordenador.

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Perigo das monções é maior para regiões distantes, como o distrito de DolakhaFoto: DW/A. Francis

Governo retém verbas

Para muitos nepaleses, é indiscutível que Katmandu participa dessa corrida de forma insuficiente. Uma acusação frequente contra o governo é que ele teria reagido lento demais ao terremoto. Após o primeiro tremor, o ministro do Interior Bam Dev admitiu que as autoridades "não estavam preparadas". Ao mesmo tempo, porém, anunciou a criação de um fundo bilionário para assistência imediata e reconstrução.

As vítimas se queixam de que até agora não houve indenizações para os familiares das vítimas nem para os desabrigados. Pacientes denunciam que os tratamentos no Hospital Estatal Bir não são, em absoluto, gratuitos, como fora prometido.

"Temos que pagar pelas radiografias e pelos curativos", reclama Amrita Magar, enquanto arruma as cobertas do irmão Anoj, para cobrir o braço engessado do menino de 11 anos que tropeçou ao escapar da casa da família que desmoronava. "Eu pensava que fosse ter mais ajuda do governo."

O diretor do hospital, Swyam Prakash Pandit, está à espera das verbas governamentais, a fim de poder pagar o tratamento "gratuito" de mais de 1.500 vítimas dos tremores de terra. Ele parte do princípio que alguma hora o dinheiro vá chegar.

Nepal Erdbeben
Amrita Magar esperava maos ajuda governamental nos hospitaisFoto: DW/A. Francis

Autoajuda como resposta

Em geral, a burocracia é responsabilizada pela lentidão da ajuda. Foi só depois das exigências da ONU que o governo relaxou as barreiras alfandegárias no aeroporto internacional de Katmandu, o único do país, a fim de facilitar a entrada de mais gêneros humanitários.

Neste meio tempo, os desabrigados estão resignados a se ajudarem a si próprios. "O governo não nos ajudou quando teria sido preciso", diz Krishna Bahadur Khadka, que foi para a capital depois da queda de sua casa em Dolakha. "Agora nós sabemos que eles são um bando de dakas, de gângsteres", acusa Krishna, que divide uma tenda com sete famílias.

Não muito longe dali, Anhita Pahari e seus companheiros de abrigo demonstram como essa autoajuda pode funcionar. Eles coletaram dinheiro para comprar esteiras, com as quais cobrem o chão de grama sob sua barraca, e alimentos para complementar as pequenas rações diárias de macarrão e biscoitos. "Nós tentamos encontrar um quarto", conta a mãe de Suman, "mas as pessoas não alugam mais nada, praticamente em nenhum lugar."