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Domésticas e a equiparação a demais profissões

Ericka de Sá, de Brasília8 de agosto de 2014

Apesar de serem um avanço, alterações na lei ainda necessitam de regulamentação. Informalidade atinge dois terços dos trabalhadores domésticos brasileiros, diz o IBGE.

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Foto: Fotolia/senkaya

O trabalho doméstico no Brasil ganhou novo reforço com a entrada em vigor, nesta quinta-feira (07/08), da lei que prevê multa para empregador que não assinar a carteira de trabalho. A punição pode ser o dobro da aplicada ao trabalhador de uma empresa privada no campo ou na cidade, que hoje é de R$ 402,53.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Domicílios (Pnad) de 2012, do IBGE, apenas um terço dos trabalhadores domésticos no Brasil têm carteira assinada. Para ser qualificado como empregado doméstico, segundo a legislação brasileira, o empregado tem que prestar serviços durante três ou mais dias na casa do empregador.

Leis que vêm sendo modificadas e aprovadas, especialmente dede o ano passado, têm igualado os direitos dos trabalhadores domésticos aos das outras profissões já regulamentadas.

"Essa lei [que prevê a multa em caso de falta de registro] quebra a cultura patriarcal", opina Mario Avelino, da ONG Doméstica Legal, instituição que propôs a lei e que fornece serviços de consultoria a domésticas e empregadores. "Agora o patrão doméstico, assim como uma empresa que não cumpre a lei, vai ser punido com multa pecuniária."

A pesquisadora Noêmia Garcia Porto, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, diz que o Brasil demorou quase três décadas, desde a Consolidação das Leis do Trabalho, para começar a alterar a legislação de trabalho doméstico. "É muito recente no Brasil essa perspectiva de que o trabalho doméstico é um trabalho profissional e é assim que esse profissional tem que ser visto2, comenta a professora, que acredita no poder que a novas leis têm de impulsionar o debate a respeito do tema.

Fiscalização

A aplicação das multas para quem não assinar a carteira dos empregados será mediada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que publicou na quarta-feira as regras para a fiscalização. Como o ambiente de trabalho é o lar – inviolável, segundo a Constituição –, a entrada de um fiscal só pode ocorrer com a permissão do morador ou com ordem judicial.

Para fazer a denúncia anônima, o empregado em situação irregular poderá procurar uma delegacia regional do trabalho, e caberá ao auditor notificar o empregador e solicitar a regularização. Caso não seja feita, é aberto o procedimento para aplicação da multa.

Apesar da promessa de anonimato, dificilmente um empregado fará a denúncia enquanto estiver exercendo a atividade por medo de retaliação, segundo os especialistas. "É muito difícil impedir que haja, no futuro, uma demissão em razão da denúncia", avalia Noêmia Garcia Porto.

Para Avelino, da ONG Doméstica Legal, a multa para situações irregulares deve ser vista como estímulo à formalidade. "Nossa expectativa é que, só neste mês de agosto, a consigamos formalizar de 230 mil a 250 mil domésticas."

Adequação legal

Alguns direitos, entretanto, ainda não estão regulamentados, como o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), indenização por demissão sem justa causa e auxílio-creche.

Apesar disso, a Organização Internacional do Trabalho reconhece, em relatório sobre o tema, o avanço do Brasil na regulamentação do trabalho doméstico, mas cobra mais instrumentos de fiscalização. Em vigor desde abril do ano passado, a chamada PEC das Domésticas promoveu mudanças na regulação do trabalho, especialmente na definição de jornada semanal máxima de 44 horas e no pagamento de horas extras.

"Quando a PEC foi promulgada, a gente quebrou a espinha da cultura escravagista", diz Avelino, que defende, ainda, a aprovação e outras leis que vão simplificar a relação de trabalho e motivar o empregador a regularizar a situação dos funcionários.

Uma lei, porém, não é garantia de mudança cultural. “A cultura que se estabeleceu é ter certo acoplamento do trabalho doméstico à servidão ou à benesse”, diz Noêmia Garcia Porto. "O trabalhador doméstico não é serviçal. Ele é um profissional e, em razão disso, a ele são devidos todos os direitos dos demais trabalhadores que estão no mercado", conclui.

Ela lembra que, apenas em 2013, com a PEC das Domésticas, a legislação passou a sinalizar o caminho da igualdade e, por isso, é importante também que o empregador tenha o tempo necessário para adequação às novas regras.