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Aos 97 anos, morre o poeta Manoel de Barros

Ricardo Domeneck13 de novembro de 2014

Com linguagem simples e um estado de constante assombro perante o mundo, escritor teve papel importante na formação de novos leitores de poesia na década de 1990.

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Foto: LeYa Divulgação

Foi anunciada nesta quinta-feira (13/11) a morte do poeta Manoel de Barros em Campo Grande, aos 97 anos, após ficar internado por duas semanas no Proncor da cidade. Nascido em Cuiabá em 1916, o autor era o grande veterano da poesia brasileira do século 20 ainda vivo.

Ele publicou 28 livros em mais de 70 anos de carreira – sua Poesia Completa foi lançada em 2010. Premiado com o Jabuti duas vezes, com as coletâneas O guardador de águas (1989) e O fazedor de amanhecer (2001), Manoel de Barros foi também homenageado pela Academia Brasileira de Letras no ano 2000.

Carreira singular

O poeta teve uma das carreiras mais singulares e, de certa forma, tardias da poesia do século 20. Estreou em livro em 1937, com o volume Poemas concebidos sem pecado, mas não surpreende que o livro não tenha causado estardalhaço, com uma tiragem minúscula de apenas 20 exemplares. O volume seria seguido por Face imóvel (1942), Poesia (1956), e Compêndio para uso dos pássaros (1960). Foi contemporâneo, portanto, da segunda geração modernista, de poetas e autores como Vinícius de Moraes (que estreou em 1933) e Lúcio Cardoso (estreado em 1934). Produziu sua obra paralela à de todos os grandes modernistas.

Foi apenas com Gramática expositiva do chão (1966) que seu trabalho passou a ser notado. No entanto, nada se compara à popularidade que passou a ter a partir de meados da década de 1980, após Millôr Fernandes chamar a atenção do público para o trabalho do poeta mato-grossense. Os livros daquela década – Arranjos para assobio (1980), Livro de pré-coisas (1985) e O guardador das águas (1989) – atingiriam um público mais amplo.

Em 1990, sua poesia até então foi reunida em Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda, e, com o famoso O livro das ignorãças (1993), transforma-se no poeta mais popular do país. Seus livros passaram a ter tiragens surpreendentes, para poesia, e cada volume era aguardado por um número crescente de admiradores. E os volumes passaram a aparecer em intervalos regulares, como Livro sobre nada (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Exercícios de ser criança (2000) e Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001), entre outros.

Fazedor de leitores

Seu trabalho, de linguagem simples e um estado de constante assombro perante o mundo, teve um papel importante na formação de novos leitores de poesia na década de 1990. Nos Estados Unidos, onde foi traduzido por Idra Novey em uma antologia intitulada Birds for a demolition e lançada em 2010 pela Carnegie Mellon University Press, o poeta foi conectado ao trabalho de surrealistas e recebeu resenhas elogiosas. Foi ainda traduzido para o alemão e o catalão.

Não surpreende a leitura surrealista feita pelos americanos. Certamente, no Brasil, um antecedente seu em termos de linguagem poética foi Murilo Mendes (1901-1975), e sua atenção ao misterioso poder metafórico da fala popular já foi comparada à de João Guimarães Rosa (1908-1967).

Manoel de Barros escreveu: "Não preciso do fim para chegar / Do lugar onde estou já fui embora", e estas são palavras aptas para encerrar outro obituário de um autor brasileiro, neste ano de perdas inumeráveis.