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Educação

"Analfabetismo dificulta a distribuição da renda nacional"

29 de março de 2012

No aniversário dos dez anos de paz em Angola, Norberto Garcia, uma figura nova na cena governista do país, remete a “grande falta de liberdade” ao passado, quando não havia livre circulação de pessoas e bens.

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Panorama de Luanda
Panorama de LuandaFoto: picture-alliance/Alan Gignoux/imagestate/Impact Photos

Norberto Garcia é secretário para os assuntos políticos, eleitorais e económicos do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no governo e uma das frações da guerra civil angolana.

Em entrevista à DW África a propósito do décimo aniversário do fim de uma das mais longas e sangrentas guerras no continente africano, este jurista de formação e empresário não se afirma contra as manifestações nas ruas, desde que não se recorra à violência.

O político, que não faz parte da chamada “velha guarda” do MPLA, mas sim da nova vaga do partido em Luanda, defende ainda que é preciso continuar a combater os índices de corrupção e de “amiguismo” no país. E diz que melhor que distribuir dinheiro é apostar na formação.

Em março de 1993, durante a guerra civil, soldados do governo reconquistaram a cidade de Dondo, antes dominada pela UNITA
Em março de 1993, durante a guerra civil, soldados do governo reconquistaram a cidade de Dondo, antes dominada pela UNITAFoto: picture-alliance / dpa

DW África: Do seu ponto de vista, quais são as maiores conquistas nestes dez anos de paz?

Norberto Garcia (NG): Desde logo é a grande reconciliação entre os angolanos, apesar de algumas diferenças de ordem ideológica, de ordem política, mas entendo que de uma forma geral todos querem a paz. Pelo menos é esse o discurso que todos os políticos, de uma forma geral, fazem à sociedade civil e aos cidadãos também que claramente nestes dez anos percebem, afinal de contas, e sentem a diferença entre o que é a guerra e o que é a paz.

Agora, é evidente que ainda temos uma série de problemas, uma série de assimetrias. Há regiões que ainda sofrem de dificuldades enormes e temos de ter consciência disso.

A paz para os angolanos terá de ser essencialmente a paz social, a paz política, a paz económica e que, de facto, todos nós possamos sentir que afinal de contas estamos a viver um momento diferente graças a uma compreensão única que os angolanos, de uma forma geral, têm em comum.

DW África: Como é que se entende que num país com muitas riquezas – estamos a falar do petróleo e dos diamantes – os cidadãos pensem que não há uma distribuição clara destes dividendos da paz?

NG: Como sabe, a renda nacional não se distribui dando dinheiro. A melhor forma de distribuir a renda nacional é por via do emprego. Esta é a melhor forma. O que não impede que o Estado faça programas sociais, de assistência social.

Infelizmente, neste momento estamos a viver um momento ainda difícil do ponto de vista da formação das pessoas. Costumo dizer que enquanto tivermos uma taxa de analfabetismo ainda elevada – anda a volta de 34% – isto vai dificultar a distribuição da renda nacional.

Porquê? Eu estou convencido que a melhor forma de distribuir a renda nacional terá que passar pelo emprego. Portanto, a partir do emprego as pessoas vão poder obter os seus rendimentos sociais, estando no setor público ou no setor privado. E desta forma vamos poder diminuir as dificuldades que muitos de nós têm, sendo certo que é na formação e na instrução que está o grande segredo.

E este é um aspeto para o qual o Estado terá de olhar com olhos de ver e cuidar. Fazer com que as pessoas que não têm essa grande possibilidade de desenvolver uma atividade profissional com os níveis de competitividade aceites possam, de facto, aprender e chegar lá.

E depois devemos continuar a combater os índices de corrupção, os índices de “amiguismo”. Aqui é de facto necessário que cresçamos no sentido da formação, no sentido da instrução, para que todos nós possamos dizer que somos angolanos com competências e capacidades para desenvolver as nossas atividades no país.

A guerra civil angolana foi uma das mais longas e sangrentas guerras no continente africano
A guerra civil angolana foi uma das mais longas e sangrentas guerras no continente africanoFoto: picture-alliance / dpa

DW África: A seu ver, serão o petróleo e os diamantes uma bênção ou uma maldição para Angola?

NG: Só pode ser uma bênção. Acho que as riquezas que Angola tem só podem ser uma bênção para os angolanos. E eu penso que será de todo conveniente perceber que as gerações que hão de vir terão de olhar para esses recursos naturais e sentir que, afinal de contas, nós estamos em condições de levar a bom porto uma dinâmica de exploração dos nossos recursos, com uma perspetiva também de distribuir para todos os angolanos da forma como atrás dissemos.

Mas para isso é necessário que nos capacitemos e que possamos saber como extrair as nossas potencialidades em termos de recursos. Não vale a pena estarmos sentados em cima de um barril de petróleo se não soubermos tirar de lá.

Não vale a pena sentarmo-nos por cima de uma mina de ouro ou de diamantes quando a gente não sabe como retirá-los de lá. Precisamos é de melhorar alguns setores do ponto de vista da sua gestão, mas há aqui uma vontade política inquestionável para que de facto o rumo das coisas seja cada vez mais certo.

DW África: Como é que compara o estado da liberdade antes do fim da guerra e hoje? Que balanço se pode fazer?

NG: A grande falta de liberdade que nós tivemos foi quando não tivemos livre circulação de pessoas e bens. Porque neste país, quer queiramos quer não, às vezes até se sente que temos alguma liberdade a mais, por mais que isto possa ser contraditório.

Eu explico-me: Muitas vezes, se tivéssemos que ser rigorosos do ponto de vista de medidas de polícia e de medidas judiciais, se calhar muita coisa poderia ser interpretada ao contrário.

Se olharmos para o trânsito, se olharmos para o exercício de direitos adquiridos, se olharmos para o respeito ao próximo, às vezes sentimos que há alguma necessidade do cidadão portar-se de outra forma para possibilitar que todos nós possamos exercer o nosso direito sem violar o direito do outro.

Manifestação contra o Presidente angolano em Benguela
Manifestação contra o Presidente angolano em BenguelaFoto: DW

DW África: Está a falar das manifestações?

NG: Também podemos falar das manifestações. Não temos receio nenhum de o abordar. Temos que manifestarmos quando estamos insatisfeitos ou quando estamos contra alguma coisa, mas só precisamos de não violar as normais constitucionais e as normas legais. Por exemplo, eu posso manifestar-me sem que a minha ação de manifestação seja violenta.

O que se passa é que quando determinados grupos de certas nações políticas querem fazer ações violentas isto acaba por ter uma resposta, porque há cidadãos que estão com o governo, que estão com o executivo, que estão com o Presidente José Eduardo dos Santos, como há aqueles que também não estão. Mas quer estejamos quer não, temos que lidar com este problema com capacidade de equilíbrio e não usarmos ódio e violência. Já estamos fartos disso. Já tivemos muito dessa experiência e não vale a pena irmos por aí.

DW África: Como membro do MPLA, qual é o seu desejo de Angola para os próximos dez anos?

NG:Melhor distribuição da renda nacional, maior responsabilização de quem exerce a ação governativa, maior equilíbrio no crescimento económico e a despromoção das assimetrias.

Cada vez mais temos de caminhar para a igualdade regional, para que possamos ter uma cada vez melhor exploração dos recursos naturais em Angola de modo sustentável, para que todos nós hoje e amanhã as gerações vindouras possamos ter um país bom para se viver.

Autor: Manuel Vieira (Luanda)
Edição: Madalena Sampaio/Johannes Beck