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Cinema no nazismo

Carlos Albuquerque7 de agosto de 2007

O historiador de cinema Dr. Gerd Albrecht conversa com a DW-WORLD.DE sobre a política de filmes do nacional-socialismo e a discussão em torno do filme "Valkyrie" sobre o atentado a Hitler.

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'Kolberg', 1945: exemplo de Napoleão como estímulo nos últimos dias do Terceiro ReichFoto: picture-alliance / akg-images

DW-WORLD: O senhor foi um dos primeiros historiadores do cinema que se ocupou da política cinematográfica nazista. Seu livro Política de Filmes Nacional-socialista saiu somente em 1969. Por que a demora, depois da guerra, em se tratar o tema?

Dr. Gerd Albrecht
Dr. Gerd AlbrechtFoto: Dr. Gerd Albrecht

Dr. Gerd Albrecht: Em 1945, os Aliados proibiram a apresentação de filmes de produção nacional-socialista. Documentos também foram apreendidos. Filmes inofensivos foram logo liberados.

No entanto, cerca de 250 outros filmes considerados politicamente perigosos ficaram ainda guardados no "armário de venenos" dos Aliados até a década de 1950.

O governo alemão logo tratou da continuação da indústria de filmes do país (Lei da Ufi de 1953). A tarefa de pesquisa da política cinematográfica nacional-socialista foi iniciada em 1959. Somente com o correr dos anos, no entanto, ficou claro que tais metas de propaganda política, encontradas em cerca de 1,1 mil filmes, precisavam ser mais bem pesquisadas.

Apesar do forte apoio governamental, minhas pesquisas levaram mais de dez anos, já que documentos e cópias de filmes estavam espalhados em arquivos em Berlim, Koblenz, Munique, Wiesbaden e Frankfurt. Eles tiveram que ser classificados, analisados e contextualizados.

Qual a política cinematográfica dos nazistas? Quem estipulava tal política, Goebbels?

A política de filmes dos nazistas procurava, sobretudo, divertir. Os filmes deveriam permitir tanto fuga da realidade, como calma e fortalecimento perante os desafios do dia-a-dia. Quanto mais longe da realidade, melhor o filme funcionava no sentido nacional-socialista. Nestes filmes de diversão, qualquer referência crítica à realidade era proibida.

Deutschland Filmszene Der grosse Koenig
Cena de 'O Grande Rei'Foto: picture-alliance / akg-images

Somente uma pequena parte da produção de filmes atendia às metas da propaganda política. Goebbels [ministro da Propaganda de Hitler] queria que 50% dos filmes fossem de propaganda. Acabou concordando com 20%, mas só conseguiu 15% (desde a morte heróica de O Jovem Hitlerista Quex, de 1933, até o sacrifício de toda uma cidade em Kolberg, de 1945). Os filmes políticos de então estavam cheios de referências aos acontecimentos dos anos entre 1933–1945.

Em concordância com o slogan da época "um povo – um império – um líder", os filmes de propaganda acentuavam a superioridade da "raça ariana" (Wunschkonzert, 1940), a superioridade sobre os inimigos (Cadetes, 1941) e, naturalmente, a superioridade do "maior comandante de todos os tempos" (O Grande Rei, 1942).

Filmszene aus "Jud Süß"
'O Judeu Süß" de Veit Harlan: 'sucesso' até o fim da guerra

A inferioridade de todas as outras "raças" (O Judeu Süß, 1940), de todas as outras nações e povos (Ohm Krüger, 1941) e de todos os outros sistemas de governo não nacional-socialistas (A Demissão, 1942) era sempre sublinhada. Essa política foi claramente estipulada por Joseph Goebbels, que contava quase sempre com o apoio de Hitler. Ambos não eram somente cinéfilos, como também entendiam bastante do assunto. Goebbels via quase todos os filmes antes da pré-estréia, impondo modificações, em muitos casos.

Segundo suas pesquisas, a percentagem de produções nacional-socialistas de filmes de guerra e de propaganda não chegava a 15%. O que era mostrado e quem ia ao cinema?

Eram mostrados tanto filmes de propaganda política quanto filmes que serviam à fuga da realidade. O pequeno grupo de filmes de propaganda política, no entanto, era mais visto do que o de filmes não políticos. Por várias razões. Primeiramente, tais filmes eram mais mostrados nos cinemas e também devido à pressão política de assisti-los exercida pelo Estado e por órgãos do Partido.

Em segundo lugar, os espectadores gostavam de ir a estes filmes, porque eram mais bem feitos e tinham estrelas mais famosas. Além disso, quem via estas películas sabia como se tinha de falar sobre questões políticas em geral, que eram tratadas nestes filmes. Por tais razões, a freqüência a filmes de propaganda política era duas vezes maior do que sua proporção na produção cinematográfica.

Existiram diretores e atores nazistas? Se o nazismo não houvesse existido, nomes como Leni Riefenstahl e Zarah Leander teriam se tornado conhecidos?

Houve, naturalmente, diretores, atores e atrizes nazistas. Como no povo em geral, alguns estavam mais convencidos, eram talvez até mesmo "150%" nazistas, e outros menos. Após a guerra – como foi o caso do povo em geral – ninguém mais queria se identificar com os nazistas e falar sobre seu comportamento passado.

Leni Riefenstahl überprüft eine Kamera-Einstellung
Leni Riefenstahl filma 'O Triunfo da Vontade', em 1934Foto: Presse

Mesmo sem os nazistas, pessoas como Leni Riefenstahl, Zarah Leander, Veit Harlan teriam se tornado conhecidas em seu trabalho. Afinal de contas, eles já estavam presentes, já antes do Terceiro Reich, em seus campos de ação (todos os três como atores!). Por outro lado, eles foram fomentados pelos nazistas – como também teriam sido Marlene Dietrich e Greta Garbo, se houvessem "voltado" à Alemanha. Ou Fritz Lang ou Detlef Sierck (= Douglas Sirk) se tivessem ficado no país.

Quando, no entanto, se assiste a filmes de propaganda estereotipados como Operação Michael (1937), Stukas (1941) e GPU (1942), pode-se perguntar, no caso de Karl Ritter, se ele teria podido filmar 14 filmes sem o apoio dos nazistas.

Existiu algum tipo de resistência? Havia crítica de cinema?

Veit Harlan
Veit Harlan foi o único diretor a enfrentar um tribunal ordinárioFoto: pa / dpa

Houve grupos de resistência, dos quais participaram, isoladamente, pessoas da cena do cinema. Mas, nas empresas de produção, a resistência era somente mental, não através de ações. Nos filmes em si, a crítica não podia aparecer nem a resistência podia ser notada.

Desde a proibição por parte de Goebbels, em 1936, não existia crítica de cinema nem no nome nem no conteúdo: "Em um Estado nacional-socialista, somente o conceito artístico nacional-socialista pode servir como medida para o juízo de uma obra de arte. Somente o Estado e o Partido têm condições de estabelecer juízos de valor a partir deste conceito artístico nacional-socialista" (Völkischer Beobachter, 29/11/1936).

Depois da guerra, o que aconteceu a diretores e artistas que trabalharam para Hitler?

Eles puderam – de forma diferenciada no Leste e no Oeste – voltar ao trabalho, já pouco depois do fim da Segunda Guerra. As instâncias de desnazificação dos alemães e dos Aliados determinaram proibições de exercício da profissão de diferentes durações, algumas vezes também a apreensão de bens. Mas muito rapidamente, produtores e cineastas estavam, novamente, na frente ou atrás das câmeras.

O ator e diretor Veit Harlan foi o único a enfrentar, por duas vezes, um tribunal ordinário de Justiça sob a acusação de crimes contra a humanidade em O Judeu Süß (1940). Em ambas as vezes, ele não foi condenado: O Judeu Süß seria um crime contra a humanidade, mas ele teria agido sob coerção. Em 1950, ele voltou a dirigir na Alemanha (Amada Imortal).

Até que ponto o cinema apoiou o regime de Hitler?

Que o cinema tenha apoiado o regime de Hitler – como fator de calma, fortalecimento e informação – não há dúvidas. Em que medida isto aconteceu, não se pode precisar, nem ontem nem hoje. Filmes eram "medidas de acompanhamento", que serviam mais ao divertimento do que à manipulação de opiniões.

Como vê a atual discussão em torno do discutido filme Valkyrie de Tom Cruise?

Valkyrie, assim esperamos, será um bom filme e irá erigir um monumento à resistência alemã (não somente dos oficiais!). Tom Cruise deverá contribuir decisivamente para o sucesso da película. Que ele está à altura do papel de Von Stauffenberg, isto se pode concluir a partir dos filmes que já fez, mas, na formação do papel, não se deve esquecer da importância do roteiro e direção.

Bildkombo Tom Cruise - Claus Schenk Graf von Stauffenberg
Cruise fará o papel de Von StauffenbergFoto: AP

Que Tom Cruise pertença à Cientologia, isto é problema dele. Como também é assunto meu o fato de eu rejeitar a Cientologia. O pertencimento de Tom Cruise à Cientologia não trará prejuízos nem ao filme, nem aos espectadores. Por este motivo, considero a atual discussão como desnecessária e errônea. (Por falar nisso, os nazistas também logo entenderam que o que importava não era a "fidelidade" de produtores, diretores e atores, mas sua capacidade e seriedade).

Dr. Gerd Albrecht é sociólogo e trabalha na área de cinema desde os anos de 1950. Entre 1981 e 1996, foi diretor do Instituto Alemão de Cinema (DIF). Entre seus livros publicados, estão Política de Filmes Nacional-socialista (1969) e Filmes no Terceiro Reich. Uma documentação (1979).