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A Guiné-Bissau está a caminho de uma ditadura militar?

26 de fevereiro de 2013

Depois do golpe de Estado do ano passado, a situação na Guiné-Bissau agrava-se. A instabilidade constante e a impunidade no país alimentam o narcotráfico. A comunidade internacional também tem responsabilidades.

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Foto: picture-alliance/dpa

A Guiné-Bissau atravessa um novo período de enorme incerteza política sem se saber muito bem se, quando e como se irão realizar eleições gerais no país.

Decorrido quase um ano sobre o golpe de Estado de 12 de abril, e contrariamente às promessas feitas pelos militares, não há uma data para o próximo sufrágio. Discute-se mesmo o prolongamento do denominado período de transição até três anos e a constituição de uma Comissão Multipartidária e Social de Transição, que substituiria a Assembleia Nacional guineense a partir de 16 de maio de 2013, data em que formalmente termina o período de transição fixado após a tomada do poder pelos militares.

A proposta tem suscitado reações contraditórias no país e severas críticas da sociedade civil guineense. Já o politólogo português Paulo Gorjão afirma que "ainda não é claro o que poderá resultar daí".

Novo representante da ONU na Guiné-Bissau, José Ramos-Horta
Novo representante da ONU na Guiné-Bissau, José Ramos-HortaFoto: picture-alliance/dpa

Segundo Gorjão, há ainda várias questões em aberto. Será preciso saber quem será eleito como novo líder do PAIGC ou, por exemplo, qual é a posição da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) nessa matéria, nomeadamente da Nigéria e do Senegal. Além disso, será também necessário saber quais os resultados das auscultações do novo representante do secretário-geral das Nações Unidas, José Ramos-Horta, e saber qual o plano que o Prémio Nobel da Paz irá propor ao país.

Reforma das Forças Armadas

Ramos-Horta participará na cimeira da CEDEAO que decorre esta quarta e quinta-feira (27 e 28 de fevereiro) em Yamoussoukro, na Costa do Marfim. Espera-se que o ex-presidente timorense apresente aí um roteiro de propostas para a Guiné-Bissau no qual deverá constar a urgência em proceder à reforma do setor de segurança e defesa.

Na semana passada, após uma visita à fortaleza da Amura, onde discutiu com os militares guineenses a reestruturação das Forças Armadas, o ex-presidente timorense disse ter ficado com o "coração partido" ao ver as condições em que vivem os militares da Guiné-Bissau.

A Guiné-Bissau está a caminho de uma ditadura militar?

Segundo o Prémio Nobel da Paz, a comunidade internacional e os governantes da Guiné-Bissau não têm muita autoridade moral para criticar os militares se não lhes conseguem dar uma vida digna.

Uma análise semelhante é feita por Paulo Gorjão, do Instituto Português de Relações Internacionais, que diz que "não é suficiente repor a legalidade constitucional no país, embora isso também seja muito importante."

"Não há qualquer possibilidade de estabilizar a Guiné-Bissau de uma vez por todas enquanto a reforma do setor de segurança não for feita", diz o politólogo.

Reforma das Forças Armadas guineenses é essencial, diz politólogo
Reforma das Forças Armadas guineenses é essencial, diz politólogoFoto: Reuters

A caminho de uma ditadura militar?

Entre os vários cenários traçados para a Guiné-Bissau, alguns analistas apontam a possibilidade de no país se vir a consolidar uma ditadura militar. Ainda haverá tempo para travar este desenvolvimento?

"Há sempre tempo", comenta Gorjão. "A alternativa é pior, ou seja, a manutenção do atual estado das coisas ou o seu agravamento". A comunidade internacional deve tomar consciência disso: "Esse buraco negro que é, eventualmente, a consolidação de um Estado falhado na Guiné-Bissau ainda é pior, do ponto de vista da comunidade internacional, do que o seu envolvimento. Ainda que isso tenha custos elevados, tanto financeiros, como políticos. Mas, no fundo, não há alternativa e esse terá de ser o caminho."

Insegurança e violações dos direitos humanos

Golpe de Estado de abril de 2012 levou a "retrocesso social", diz LGDH
Golpe de Estado de abril de 2012 levou a "retrocesso social", diz LGDHFoto: picture-alliance/dpa

Desde o conflito político-militar de 7 de junho de 1998 que a impunidade na Guiné-Bissau foi institucionalizada e passou a constituir uma regra no funcionamento regular das instituições públicas e privadas sendo nítida a inércia do sistema judiciário, órgãos de inspeção, instituições de controlo e de fiscalização.

Num relatório de 145 páginas, a Liga Guineense dos Direitos Humanos refere que "a sociedade guineense vive hoje, independentemente da sua vontade, num clima de insegurança e amargurada impotência e refém de uma classe política e castrense dividida, imprevisível e violenta. Porquanto a Guiné-Bissau tornou-se num país isolado num mundo cada vez mais globalizado, um país onde o pânico e o terror caminham de braços dados."

O relatório estabelece o contexto político da situação que se vive atualmente no país atribuindo ao golpe de 12 de abril de 2012 a responsabilidade pelo acelerado "retrocesso social" e considera-o como sendo um dos principais obstáculos à promoção e proteção dos direitos humanos."

De facto, várias organizações não governamentais operantes na Guiné-Bissau dão conta de um aumento dos casos de violações dos direitos humanos, que vão desde tráfico e prostituição de menores à mutilação genital feminina, abusos de poder e uso de violência indiscriminada pelos militares e um agravamento das condições de vida da população.

Num país há décadas fragilizado, há quem instrumentalize a instabilidade recorrente em benefício próprio. O tráfico de drogas tornou-se num fenómeno transversal na sociedade guineense. Esta segunda-feira (25.02.2013), num relatório das Nações Unidas sobre o crime organizado na África Ocidental, associam-me as mortes do antigo Presidente da República, João Bernardo (Nino) Vieira, e de antigos generais, como Tagme Na Waie, Ansumane Mané, Veríssimo Correia Seabra, o comodoro Lamine Sanhá e o deputado Hélder Proença ao tráfico de drogas.

General António Indjai
General António IndjaiFoto: DW

Neste documento avança-se com a tese da principal motivação do golpe de Estado de abril ter sido a intenção de António Indjai, chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, de "minar o processo de reformas das Forças Armadas [que estava ser levado a cabo por Angola] e assim assegurar a sua colaboração continuada com o tráfico de droga e o crime organizado na Guiné-Bissau."

Autora: Helena Ferro de Gouveia
Edição: Guilherme Correia da Silva

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