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"A China vai superar a Alemanha nos próximos anos"

Zhu Hong (bt)14 de setembro de 2006

Primeiro chefe de governo alemão a visitar a China, ex-chanceler federal Helmut Schmidt fala em entrevista exclusiva à DW-WORLD sobre seus vínculos com o país asiático e analisa os efeitos do boom da economia chinesa.

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Schmidt foi o primeiro chanceler alemão a visitar a ChinaFoto: AP

Há 31 anos, Helmut Schmidt, do Partido Social Democrata (SPD), chefe de governo entre 1974 e 1982, foi o primeiro chanceler federal alemão a fazer uma visita oficial à China. Desde então, ele já esteve no país mais de dez vezes. Por ocasião da visita do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, à Alemanha (13 e 14/09), Schmidt falou à DW-WORLD sobre seus vínculos com o país asiático e sobre o boom da economia chinesa.

DW-WORLD: O senhor visitou a China em 1975 e se encontrou com o líder Mao Tsé-Tung. Qual a impressão que teve dele?

Helmut Schmidt: Ele havia sofrido um derrame e já não podia falar com clareza. Ele conversou em chinês e havia três intérpretes traduzindo, mas às vezes eles não conseguiam entender o que ele dizia. Algumas vezes tinham que discutir o que cada um havia entendido, escrever em um papel e mostrar para ele confirmar ou corrigir. Ele estava já muito debilitado.

O quê motivou o senhor a visitar a China comunista?

Recebi um convite do Chu En-Lai [premiê da República Popular da China entre 1942 e 1976] e achei que seria correto aceitar. Mas quando eu cheguei em Pequim, Chu En-Lai havia adoecido, então fui recebido por Mao Tsé-Tung e por Deng Xiaoping. Conversei com Deng Xiaoping por várias horas durante vários dias.

Quais foram os resultados dessas conversas?

60 Jahre danach - Mao Zedong
Em 1975 o ex-chanceler reuniu-se com Mao Tsé-Tung (foto de 1949)Foto: AP

Na verdade, as mais importantes conversas que tive com Deng aconteceram no começo dos anos 1980. Mao já havia morrido e Deng estava mais livre. Ele era o principal político e intelectual da China, mesmo não ocupando nenhum cargo oficial mais relevante. Hua Guofeng [premiê chinês 1976-1980] e outros ocupavam esses cargos, mas Deng era a figura principal. Deng Xiaoping me causou uma forte impressão. Ele entendia muito bem de economia. O impressionante crescimento econômico da China nos últimos 20 anos se deve principalmente ao Deng Xiaoping.

Durante suas viagens à China o senhor buscou freqüentemente a companhia de intelectuais chineses. Tem planos de estreitar o contato com eles no futuro?

Tive contato na China com pessoas de origens variadas, incluindo Jiang Zemin [secretário-geral do Partido Comunista 1989-2002], Li-Peng [premiê 1988-1998], Zhu Rongji [premiê 1998-2002] e Hu Jintao [atual presidente da China]. Acho Zhu incrivelmente capaz. No caso de Hu Jintao, apenas o encontrei brevemente.

Estive duas vezes com Wen Jiabao [atual premiê chinês]: uma vez em Berlim e outra em Pequim. Agora vou encontrá-lo pela terceira vez. Ele aparenta ser cauteloso em termos de política externa, mas com objetivos bem definidos em relação a políticas econômicas e sociais. Ele me causou uma impressão positiva.

Quando estive na China, no entanto, não conversei somente com líderes de governo ou ministros de relações exteriores. Eu também gosto de conversar com pessoas "normais", e continuarei fazendo isso nas minhas próximas viagens.

Mao morreu há 30 anos. Como ele influenciou a China e o mundo, na sua opinião?

Textilindustrie in China
A indústria chinesa já supera a concorrência internacional em diversos setores, como o têxtilFoto: AP

Ele foi muito importante para a China no sentido de liberar o país do Japão, mas também cometeu graves erros. O primeiro deles foi o chamado "grande salto" [tentativa de Mao de modernizar a economia chinesa], que fez com que milhões de pessoas morressem de fome porque estavam trabalhando em fábricas de fundo de quintal em vez de produzirem alimentos nas lavouras. O segundo erro foi a "Campanha das cem flores" [adotada em 1956 para estimular intelectuais e membros da sociedade chinesa a criticar as políticas governamentais sob a promessa de que mudanças seriam implementadas mas que, ao final, serviu de base para perseguições políticas, prisões, tortura e execuções] e o terceiro, a "Revolução cultural". Se eu fosse cidadão chinês, não subestimaria esses erros.

No exterior, a influência de Mao ficou limitada aos estudantes de esquerda na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Analisando sob uma perspectiva atual, a influência dele para o resto do mundo foi mínima.

O livro Nachbarland China (Vizinha China), de sua autoria, será publicado no final deste mês, e analisa o crescimento da economia chinesa. Quais serão os impactos para o mundo desse boom observado na China durante os últimos anos?

Há 30 anos, ninguém esperava que a economia da China fosse crescer tão rapidamente. Mesmo há 15 anos era inimaginável dizer que a China estava iniciando uma caminhada para se tornar a terceira economia do mundo. Atualmente a Alemanha ocupa essa posição, atrás dos Estados Unidos e do Japão, mas a China vai superar a Alemanha nos próximos anos. Trata-se de um milagre, sem dúvida. Nunca houve um fenômeno assim na história mundial.

Os impactos da China no mundo ainda não estão muito claros. Nos últimos quatro ou cinco anos, a demanda chinesa por petróleo, gás, aço e outras matérias-primas inflacionou o mercado mundial. As exportações chinesas criaram concorrência para várias indústrias européias e norte-americanas. Algumas pessoas têm um ressentimento em relação à China por causa disso. Eu não concordo. Aqueles que acreditam no livre mercado têm que aceitar novos competidores, da mesma forma ocorreu em relação ao Japão há 100 anos ou à Coréia do Sul, Taiwan ou Hong Kong há 40 anos. Agora a República Popular da China surge como uma potência e o Ocidente se sente desconfortável. Moralmente falando, esse desconforto não é justificado.

O quê o senhor pretende alcançar com o livro?

Falun Gong Demonstration in Peking
As constantes violações de direitos humanos no país não incomodam Helmut SchmidtFoto: AP

Sinto de maneira forte que as pessoas na Europa ocidental e em meu próprio país precisam aceitar que é de nosso próprio interesse fomentar uma boa e estreita relação com a China.

Quais são as principais diferenças entre a economia de mercado social da Alemanha e a economia de mercado socialista da China?

Os dois modelos diferem de inúmeras maneiras, mas o que eles têm em comum é que ambos vêm se tornando economias de mercado com uma intensidade cada vez maior. Na Alemanha, mais ainda; na China esse fenômeno é relativamente novo. Mas fora isso, a diferença é imensa. A Alemanha tem um amplo sistema público de bem-estar social para idosos, enfermos e desempregados. A China, por outro lado, está apenas começando a desenvolver um sistema de bem-estar social. Vai levar bastante tempo para que a China tenha um sistema de benefícios para aposentados e desempregados.

Eu gostaria ainda de acrescentar algo: eu poderia ter dito "capitalismo" em vez de "economia de livre mercado". O capitalismo como sistema econômico cria perigos e especialmente tensões dentro das sociedades. Nos Estados Unidos e ainda mais na Europa ocidental, os perigos de uma sociedade capitalista são colocados em cheque por meio de regulamentos legais e democráticos e por intermédio de um sistema público de bem-estar social. No momento, isso não acontece na China. Penso que será de grande importância para controlar o crescimento do capitalismo na China o retorno dos princípios do tao e li [uma espécie de código de ética do Confucionismo, tao significando "caminho" e li, "propriedade social"]. Acredito que isso será importante para equilibrar os efeitos do capitalismo.

Suas opiniões sobre a China geralmente diferem do que vemos normalmente no Ocidente. O que o senhor pensa do sistema político chinês de partido único e das políticas do país em relação a Taiwan?

Nunca houve um partido de oposição em três mil anos de história da China. Não compartilho esta crítica do Ocidente. A China tem que decidir sozinha o que é melhor para ela. Não se trata de algo para os estrangeiros ou para o Ocidente ditar.

McDonald's in Peking
Schmidt defende princípios confucionistas para equilibrar os efeitos do capitalismo na ChinaFoto: AP

Como estrangeiro, tenho interesse que a China se comporte de forma pacífica, e ela tem agido assim. Seja em relação a Taiwan, à Coréia do Norte, ao bombardeio da embaixada chinesa em Belgrado ou ao choque de um avião norte-americano com um chinês, o país tem agido de forma muito cautelosa. Na minha opinião, criticar a política externa da China não é prudente nem apropriado. Pelo contrário, se todas as grandes potências mundiais fossem tão cautelosas como a China na política internacional, o mundo teria mais paz.

Como o senhor vê a pena de morte na China?

A pena de morte é legal em muitos países do mundo. Eu não a quero no meu país, mas não se trata de algo que só existe na China. Não quero comentar isso porque não é um problema meu. Alguns jornalistas e políticos estão errados quando acreditam que podem resolver os problemas da China. Eu não concordo.