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Índios tentam evitar que demarcação de terras fique com o Congresso

Ericka de Sá, de Brasília4 de outubro de 2013

Indígenas argumentam que mudança daria mais poder a latifundiários e empresas mineradoras e madeireiras. Governo sinaliza apoio e afirma que proposta é inconstitucional.

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Foto: REUTERS

Comunidades indígenas realizaram diversos atos públicos em Brasília nesta semana em que se celebram os 25 anos da Constituição de 1988, considerada um avanço na garantia dos direitos dos povos indígenas. As manifestações foram convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Os protestos, que nesta quinta-feira (03/10) levaram à ocupação da Esplanada do Congresso por cerca de 200 índios, voltam-se especialmente contra dois projetos: a proposta de emenda à Constituição (PEC) 215 e o projeto de lei (PL) 227. A PEC 215 propõe que a demarcação de terras indígenas no Brasil não seja mais exclusividade do Poder Executivo e passe para o Legislativo.

Os índios argumentam que essa mudança daria mais poder a latifundiários e empresas mineradoras e madeireiras que atuam na Amazônia, além de atrasar ou mesmo impedir novas demarcações e permitir a revisão de demarcações já concluídas.

Separação de poderes

Desengavetada no início do ano, depois de 12 anos arquivada, a PEC 215 tramita desde 2000 no Congresso. Uma comissão para avaliá-la chegou a ser instalada na Câmara dos Deputados, mas por causa dos protestos dos últimos dias foi cancelada. Na próxima semana, uma nova tentativa de negociação entre membros do Executivo, do Legislativo e lideranças indígenas será posta em prática.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também anunciou nesta quinta que enviará um parecer à Câmara dos Deputados, no qual o governo afirma que a PEC 215 é inconstitucional porque viola a separação de poderes e os direitos e garantias individuais dos indígenas, assegurados pela Constituição.

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Índios protestam diante do Congresso NacionalFoto: REUTERS

Já o outro projeto que é alvo de protesto dos indígenas, o PL 227, define áreas que não poderiam ser demarcadas por se tratarem de "bens de relevante interesse público da União", como terras de fronteira, perímetros rurais e urbanos de municípios e áreas produtivas.

Uma carta assinada pela Apib foi entregue também nesta quinta a representantes do Congresso Nacional. No documento, populações indígenas repudiam "os ataques orquestrados pelo governo da presidente Dilma Rousseff e parlamentares ruralistas do Congresso Nacional, com expressiva bancada, contra os nossos direitos originários e fundamentais, principalmente os direitos sagrados à terra, territórios e bens naturais".

"Estamos mobilizados e dispostos a autodemarcar, a proteger e a desintrusar os nossos territórios, custe o que custar, em memória dos nossos ancestrais, dos nossos antepassados e líderes dos nossos povos", diz ainda o manifesto.

Direito à propriedade

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) – um dos grupos que apoiam a PEC 215 – argumenta que a Constituição garante o direito à propriedade e que "laudos elaborados ao bel prazer de burocratas antropólogos não podem nunca se sobrepor à Carta Maior".

"Não é justo, não é perfeito que proprietários rurais ou mesmo citadinos tenham agora suas terras, casas ou apartamentos expropriados para ampliação de aldeias indígenas", afirma o documento. Os ruralistas defendem que as propriedades rurais que estariam sob risco de expropriação para dar lugar a territórios demarcados são produtivas, geram riqueza e renda e contribuem para o crescimento da produção agrícola do país.

Para a antropóloga Sandra Maria Faleiros Lima, da Universidade de Brasília (UnB), os argumentos dos ruralistas refletem uma "compreensão puramente econômica" do problema, centrada na defesa dos interesses de uma minoria. Ela argumenta que, para as populações indígenas, a terra tem um valor além do material. "É o valor do sagrado, são espaços de memória e lugares de tradição."

Proteção do território

A Funai, órgão ligado ao Ministério da Justiça, é atualmente a responsável pelo processo de demarcação de terras indígenas. A entidade já se posicionou contra a PEC 215, ecoando a posição do governo federal – apesar da acusação, por parte dos indígenas, de que o Estado esteja sendo conivente com os ruralistas.

Yanomami Reserve
Índios ianonâmi numa reserva na AmazôniaFoto: Hutukara

Para Faleiros Lima, a retirada do controle da Funai seria "uma perda democrática importante" que poderia colocar em risco "avanços que historicamente já foram conquistados".

Em documento público divulgado antes do início das manifestações desta semana, a Funai apoiou os protestos, que levantam o debate sobre a tendência que as propostas em tramitação teriam de "restringir o núcleo constitucional relativo aos direitos desses povos, especialmente os territoriais".

A presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, disse, durante audiência pública no Senado, que as propostas são "iniciativas que se contrapõem a tudo o que define a Constituição".